2017-03-28 13:57:35
Imbróglio legal. Após quase 20 anos de disputas, autarquia e agência conseguem definir o trâmite desse tipo de pedido e enfrentarão o grande desafio de analisar quase 22 mil processos
São Paulo – O acordo alcançado entre o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre patentes de medicamentos deve acelerar a análise desses processos, de acordo com especialistas ouvidos pelo DCI.
Há atualmente – conforme dados do próprio INPI – 21.733 pedidos de patentes para remédios paralisados por conta da indefinição que existia sobre a responsabilidade de analisar esse tipo de pedido, diz o sócio do escritório Di Blasi, Parente e Associados, Gabriel Di Blasi.
“O INPI só poderia analisar uma patente de medicamento após a anuência da Anvisa. Quando essa anuência não vinha, o INPI engavetava os pedidos”, explica o especialista.
Agora, pela nova regra, aprovada em acordo na semana passada, a Anvisa ainda precisa fazer uma análise prévia, com o objetivo de garantir que o remédio possua eficácia e não traga riscos significativos à saúde. Contudo, ao INPI fica reservado o direito da palavra final e a autarquia pode concordar ou não com a análise da agência caso entre no mérito da patente.
Di Blasi acredita que, com isso, haverá uma maior segurança jurídica e até redução no estoque de pedidos de patentes.
Para o diretor-executivo do INPI, Mauro Maia, o acordo foi importante porque agora a autarquia poderá colocar os processos em andamento. “O INPI começará o exame desses pedidos represados ao longo de todos esses anos”, garante ele.
No que se refere à rede pública de saúde, Maia conta que a pior consequência do conflito entre Anvisa e INPI era que muitos pedidos de patentes sem fundamento, ao não serem julgados, travavam investimentos.
“O bloqueio da análise gerava insegurança, porque a indústria não quer investir em algo para perder a licença mais tarde. Se o INPI for rápido ao entender que não é necessária uma patente, aquilo já pode estar no domínio público, sendo utilizado pelos fabricantes de genéricos”, comenta o diretor-executivo do INPI.
O sócio da área de propriedade intelectual do Siqueira Castro Advogados, Eduardo Ribeiro Augusto, ressalta que quando uma patente está em vigor, o governo brasileiro pode fazer um pedido de licença compulsória em dois casos: quando houver falta de exploração no território nacional ou quando a comercialização não satisfizer as necessidades dos brasileiros. Quando não há patente, a situação fica mais complicada, comenta.
E para os próprios laboratórios, uma situação em que os pedidos são analisados com mais celeridade é positiva. Ribeiro Augusto destaca que há um investimento muito pesado na criação de medicamentos, e o laboratório, ao criar uma solução técnica para alguma doença, quer obter exclusividade para a exploração daquele remédio. Sem uma análise do pedido de patente, os fabricantes de medicamentos acabavam com poucas alternativas para manter essa exclusividade.
“Quando o empresário tem um pedido aguardando análise no INPI, o máximo que ele pode fazer é notificar um terceiro que queira explorar o mesmo remédio e fazer um pedido em mora”, aponta. Nesse caso, se e quando a patente for concedida, o fabricante que entrou com o pedido de patente pode cobrar o concorrente pelo uso comercial daquele remédio da data do pedido de mora até o momento da concessão da patente. Isso, no entanto, não é o suficiente para os empresários, comenta Augusto.
Histórico
A situação do conflito entre INPI e Anvisa começou, de acordo com os especialistas, em 2001, quando foi introduzido o artigo 229-c na Lei 9.279/1996. Expressa o texto desse artigo: “A concessão de patentes para produtos e processos farmacêuticos dependerá da prévia anuência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária”.
“De 1997 a 2001, quando ainda não tinha sido introduzido esse artigo 229-c, o INPI fez o exame de patentes de remédios sozinho, sem contar com a participação da Anvisa”, recorda Eduardo Ribeiro Augusto.
O sócio da banca Daniel Legal & IP Strategy, Ricardo Nunes, destaca que a confusão começou porque a Anvisa entendeu que a alteração da lei lhe dava direitos para analisar os requisitos técnicos de patenteabilidade, que sempre foram de responsabilidade do INPI, e não apenas as questões referentes à eficácia e aos riscos. “Durante essa discussão, a questão chegou a bater na porta da Advocacia Geral da União (AGU). Na época, foi confirmado que a Anvisa só poderia analisar os riscos à saúde, mas a agência recorreu e a questão passou anos sem solução”, acrescenta o advogado.
Procurada, a Anvisa não se manifestou até o fechamento desta edição.
Ricardo Bomfim