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Mesmo sem doença, remédio para colesterol pode ser indicado a idosos como prevenção?

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2018-01-23 10:00:08

 

As estatinas são indicadas para adultos de qualquer idade que tenham doença cardíaca, que sofreram um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral

Uma pessoa com 76 anos sem doença cardíaca, mas com alguns fatores de risco para seu surgimento, deveria tomar estatinas para evitar infartos ou derrames?

Seria de se esperar que houvesse uma resposta clara para essa pergunta. Esses fármacos muito receitados abaixam o colesterol para reduzir a doença cardiovascular, a principal causa de óbito nos Estados Unidos, e levam boa parte do crédito pelos índices em queda livre de infartos e acidentes vasculares.

Quando começaram a ser usadas comumente na década de 1990, “foi uma coisa empolgante. De repente, havia uma medicação que podia reduzir o risco de ataque cardíaco e acidente vascular entre 20 e 30%, ou mais”, diz Ariela Orkaby, geriatra da Faculdade de Medicina Harvard e principal autora de um estudo da utilização de estatinas por idosos.

Assim, as diretrizes médicas atuais recomendam estatinas para pessoas que não estão na categoria “doença cardíaca”, estratégia chamada de prevenção primária –mas somente para quem tem até 75 anos. Porém, quase a metade das pessoas com essa idade ou mais toma estatinas, como informou o CDC (Centro para Controle e Prevenção de Doenças) dos EUA.

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Algumas dessas pessoas provavelmente estão tomando remédios que não ajudam e que podem causar problemas, segundo pesquisadores e geriatras. Por outro lado, alguns pacientes idosos que se beneficiariam com a droga não a tomam.

“Essa é uma situação que deixa desconfortável a maioria dos médicos. Há quem considere a medicação bem-sucedida em pacientes mais jovens, então por que não a indicar”, afirma Sei Lee, geriatra da Universidade da Califórnia, campus de San Francisco.

Então, por que não? “Não temos bons dados específicos para pessoas sem doença cardíaca conhecida com mais de 75 anos. Será que as estatinas as ajudam ou prejudicam? A resposta sincera é que não sabemos”, afirma Lee.

Para ficar claro: estatinas fazem sentido para adultos de qualquer idade que já tenham doença cardíaca, que sofreram infarto ou derrame ou que tiveram artérias desobstruídas com “stents”. Isso se chama prevenção secundária.

Em 2013, o Colégio Americano de Cardiologia e a Associação Americana do Coração divulgaram uma série de recomendações sobre as estatinas como prevenção primária, relevante para adultos de até 75 anos que têm colesterol alto ou diabetes ou que, por outros motivos, apresentam um risco de pelo menos 7,5% de desenvolver doença cardíaca em um período de dez anos.

Há três anos, a Força-tarefa de Serviços Preventivos dos EUA também fez uma recomendação similar de prevenção primária envolvendo pessoas entre os 40 e os 75 anos com fatores de risco como colesterol elevado, diabetes, pressão alta ou tabagismo, com um risco de pelo menos 10% em um período de dez anos.

Já para quem tem mais de 75 anos, os dois grupos concordavam, não havia provas suficientes para se chegar a uma conclusão. A exemplo de muitos estudos clínicos, os grandes estudos de estatina não incluíram pacientes de idades avançadas.

“Os pacientes mais velhos tinham até 82 anos”, afirma Michael Rich, cardiologista geriátrico da Faculdade de Medicina da Universidade Washington, referindo-se ao estudo Prosper, publicado em 2002.

Os autores daquele estudo acompanharam 5.800 pacientes por três anos e constataram que a pravastatina oferecia prevenção secundária, não primária, contra problemas cardiovasculares.

Já Paul Ridker, que se descreve como “defensor das estatinas” e dirige o Centro para Prevenção de Doenças Cardiovasculares do Brigham and Women”s Hospital, em Boston, fica irritado com o argumento de que não sabemos o suficiente para recitá-las a pacientes idosos sem doença cardíaca.

“Eu não acredito que exista dúvida de que a terapia com estatina seja eficiente para prevenção primária em adultos idosos.” Ridker cita uma reanálise recente de dados de dois grandes estudos demonstrando que pacientes com mais de 70 anos tomando estatina experimentaram as mesmas reduções de eventos cardiovasculares e de mortalidade que os mais jovens.

Orkaby e colegas de Harvard esperavam resolver tais problemas com seu estudo recente, publicado em “Journal of the American Geriatrics Society”, comparando médicos com mais de 70 anos que tomavam estatinas para prevenção primária com quem não fazia uso da medicação.

A equipe comparou 30 variáveis em cada grupo e constatou que, durante um período médio de sete anos, quem toma estatinas teve um índice de óbito 18 por cento menor, embora sem redução estatisticamente importante em eventos cardiovasculares.

Todavia, na mesma edição, um artigo escrito em parceria com Rich, chamava o uso de estatinas como prevenção primária em pacientes idosos como “um enigma não resolvido”.

O estudo com médicos foi observacional, então não pode estabelecer causas, ele destaca. E a pesquisa acompanhou um grupo mais saudável do que a média e composto apenas por homens. Além disso, afirma o pesquisador, as descobertas sugerem que os remédios foram mais benéficos para quem tinha menos de 77 anos.

O que não se discute é que, embora as estatinas realmente reduzam o colesterol em idosos, suas vantagens e desvantagens tiveram resultados diferentes em idades mais jovens.

Por exemplo, um efeito colateral muito comum é a mialgia, dor muscular às vezes associada à fadiga. Orkaby avalia que até 30 por cento das pessoas que tomam estatina apresentam esse sintoma.

Sandy Koo, 72 anos, professora aposentada de Los Altos, Califórnia, começou a tomar Lipitor na casa dos 50 anos. O remédio reduziu o colesterol, mas ela achava que se caminhasse uma quadra e meia, ficava tão dolorida que precisava se sentar. Ela usou outras estatinas durante anos, procurando uma que não deixasse as pernas doendo.

A mialgia desaparece quando a pessoa para de tomar estatina (o que também tem efeitos colaterais sérios, porém muito raros). Ainda assim, muitos idosos já sofrem para manter a mobilidade e realizar tarefas cotidianas.

Em idades avançadas, “é mais fácil perder a habilidade funcional e mais difícil recuperá-la”, diz Lee. Alguns estudos pequenos também destacam um efeito cognitivo reversível das estatinas, mas ele e outros pesquisadores não deram muito crédito à descoberta.

Além disso, idosos costumam tomar vários remédios. As estatinas interagem com vários deles, incluindo inibidores da bomba de prótons (como Nexium), medicamentos para o coração e a pressão (como Plavix) e com muitos antibióticos.

Para complicar a discussão, as diretrizes de 2013 pediam uma terapia com estatina de “alta intensidade” – como doses elevadas de atorvastatina (Lipitor) ou rosuvastatina (Crestor) – como prevenção primária até os 75 anos, no caso de quem pudesse suportá-las.

“Muitos pacientes estavam se saindo bem durante anos com estatina de baixa intensidade, que funcionava, reduzindo o colesterol”, afirma Orkaby. Ao passarem a um regime de alta intensidade, “começaram a ter os sintomas esperados, então paravam de tomar tudo de uma vez”.

Tudo isso pede uma conversa cuidadosa no caso de pacientes com mais de 70 anos cujos médicos sugerem começar – ou parar – de tomar uma estatina.

Pode levar de dois a cinco anos para uma estatina valer a pena em termos preventivos, então uma pessoa saudável de 80 anos, que pode viver mais do que isso, poderia muito bem optar por tomar uma ou por continuar a tomá-la.

“É uma terapia conhecida e comprovada que pode impedir uma doença devastadora”, diz Orkaby. Segundo ela, ao experimentar estatinas diferentes em doses diferentes, os pacientes costumam achar um regime confortável.

Por outro lado, ela costuma tirar as estatinas no caso de residentes de casas de repouso – que já estão muito doentes – ou em idosos frágeis, com doenças que limitam a vida ou lidam com um número intimidante de receitas.

“Existem muitas coisas desconhecidas. Não queremos fazer mal ao receitar ou manter uma medicação.”