2018-02-01 10:00:08
O atual surto de febre amarela no Brasil levou as autoridades francesas a recomendar aos turistas que viajam para qualquer parte do país, e não apenas para a região amazônica, a tomar a vacinacontra a doença. Mas, seguindo orientação da Organização Mundial da Saúde, só é vacinado quem nunca tomou a injeção. Os demais são considerados imunizados para a vida toda. O professor Eric Caumes, chefe do serviço de Doenças Infecciosas e Tropicais do Hospital Pitiè-Salpêtrière, em Paris, discorda dessa interpretação da OMS.
Com o surto da febre amarela no Brasil e a recomendação feita aos turistas pelo Ministério das Relações Exteriores, mesmo para as viagens a São Paulo ou Rio de Janeiro, o movimento começou a aumentar nos centros de vacinação franceses. Não há fila, nem falta do produto, que custa na França € 68 (cerca de R$ 280). A expectativa é que a busca pela injeção aumente mais com a proximidade do Carnaval. “Mas a tendência a longo-prazo é de uma redução devido à decisão da OMS de considerar a validade da vacina vitalícia”, acredita a enfermeira chefe do Centro de Vacinação Internacional da Air France, o mais importante de Paris.
Desde de 2013, estudos realizados pela Organização Mundial de Saúde concluíram que uma única dose era suficiente para imunizar a pessoa para o resto da vida contra a febre amarela. Antes, uma nova dose a cada dez anos era necessária. O Brasil aceitou essa recomendação da OMS em 2016 e desde então passou a vacinar apenas quem nunca tinha tomado o produto. Os casos das vacinas fracionadas, atualmente utilizadas na Brasil, são diferentes e necessitam uma atualização.
Diminuição de anticorpos
O professor Eric Caumes pensa que a Organização Mundial da Saúde antecipou uma penúria do produto para garantir a primo-vacinação nas áreas endêmicas. “Ninguém pode dizer hoje que essa vacina protege a vida toda. Ao contrário, temos muitos elementos para dizer que ela não protege a vida toda. Estudos, infelizmente poucos, mostram que com os passar dos anos os anticorpos anti-febre amarela das pessoas vacinadas diminuem”, explica. Ele compreende que a OMS tomou uma decisão de saúde pública para proteger as populações em situação de risco, mas diz que a recomendação “não é aceitável para os turistas que não vivem nessas áreas endêmicas” e não estão expostos de maneira permanente ao vírus. Lembrando que poucas vacinas têm validade vitalícia, ele recomenda a todos os viajantes uma nova dose após dez anos da primeira.
O porta-voz da agência da ONU, Tarik Jasarevic, reafirma a posição da entidade que também é defendida pelo chefe do setor de vacinas do prestigioso Instituto Pasteur de Paris, Frédéric Tangy. Ele explica que mesmo se os anticorpos diminuem, em caso de nova infecção eles reaparecem a tempo de controlar a doença. “O que vemos hoje no Brasil são novas contaminações, de pessoas que nunca tinham sido vacinadas. O problema é a insuficiência da cobertura vacinal”, ressalta. Tangy aprova o uso das doses fracionadas que, segundo ele, são tão eficientes quanto a vacinapadrão e contornam o problema da escassez do produto.
A campanha de vacinação lançada no Brasil prevê a aplicação de 21,8 milhões de doses, sendo 16,5 milhões fracionadas. Entre julho de 2017 e 30 de janeiro de 2018, foram registrados 213 casos da doença e 81 mortes, principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Risco de epidemia
© Fournis par RFI
Os dois especialistas franceses estão preocupados com o risco de epidemia da doença no Brasil. Por enquanto, os casos registrados ocorreram apenas por contaminações silvestres. Mas com a multiplicação dos casos, o grande número de viajantes entre as cidades e as regiões, o risco de contaminação urbana não pode ser excluído.
“Infelizmente constatamos, há algum tempo, a expansão de casos da doença fora dos redutos originais, como as florestas tropicais, na América Latina”, lamenta Eric Caumes, para quem a penúria da vacina teria consequências desastrosas.
“A única recomendação possível, além do combate ao mosquito, é vacinar o maior número possível de pessoas, principalmente os mais vulneráveis como crianças e idosos”, prega Frédéric Tangy. O especialista do Instituto Pasteur chega a propor a vacinação obrigatória contra a febre amarela no Brasil e em outros países endêmicos da África.
Somente quatro laboratórios no mundo fabricam a vacina anti-febre amarela, entre eles o brasileiro Bio-Manguinhos/Fiocruz. Frédéric Tangy pede que outros laboratórios internacionais se interessem pelo produto. Ele não entende porque não existe um estoque consequente da vacina para combater uma eventual epidemia mundial que é uma “espada de Dâmocles” que ameaça o mundo, devido ao aquecimento global e multiplicação das viagens, entre outras coisas.