Sincofarma SP

Determinação judicial reacende polêmica sobre medicamentos caros

Compartilhe:

Facebook
LinkedIn
WhatsApp

2018-03-05 12:00:08

 

Determinação judicial para fornecimento de remédios para doenças raras esbarra não só na dificuldade orçamentária, como em questões técnicas que dificultam a importação. Para especialistas, o governo não deveria ter de escolher entre “salvar uma vida ou comprar dipirona”

A polêmica sobre o fornecimento de medicamentos gratuitos a portadores de doenças raras foi reacesa depois da morte de Margareth Maria Araújo Mendes, 45 anos, vítima de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN), na última segunda-feira. O movimento Minha vida não tem preço, que havia se mobilizado em favor da doente, publicou na página do Facebook que Margareth não tinha morrido de uma doença chamada HPN, mas de uma “doença chamada Brasil”.

Apesar de a Constituição Federal, no artigo 196, determinar que “saúde é direito de todos e dever do Estado” e, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (PAHO), o acesso aos medicamentos é parte fundamental desse processo, os R$ 18 bilhões destinados à compra dos 869 remédios oferecidos pelo Sistema Único de Saúde em 2017, não alcançaram toda a população. Principalmente os portadores de doenças raras que, na maioria dos casos, precisam recorrer à Justiça para ter acesso a medicamentos caros não incorporados à lista.

De acordo com o economista José Matias-Pereira, especialista em administração pública e orçamento público da Universidade de Brasília,  a declaração do Artigo 196 da Constituição tornou-se problemática no atual cenário econômico brasileiro. “O Estado não tem condições de garantir o que prometeu. Em todas as áreas, o governo está tentando fechar as torneiras, e reduzir despesas. E, por vezes, as escolhas mais duras são reais e podem envolver favorecimento da maioria”, opinou.

Em 2017, o Ministério da Saúde destinou R$ 1,02 bilhão para a compra desses tratamentos e, ainda assim, não atendeu à demanda. Isso porque um impasse entre a Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) atrasou a entrega de doses regulares dos medicamentos Soliris (eculizumabe), Fabrazyme (betagalsidade), Myosyme (alfaglicosidase) e Laronidase (aldurazyme) usadas no tratamento da HPN,  Doença de Fabry, Doença de Pompe e Mucopolissacaridose I —  todas classificadas como raras. As quatro não fazem parte da lista do SUS e estão entre os 11 medicamentos mais caros conseguidos judicialmente. No ano passado, a compra totalizou R$ 357,2 milhões, do total destinado.

Fora a dificuldade orçamentária, os portadores de doenças raras sofrem com inconstância na importação dos medicamentos por outros problemas. A importadora que venceu a licitação por apresentar os menores preços, a Tuttofarma, teve a licença de importação negada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), segundo informa a nota publicada ontem no portal da Saúde.

O servidor público Marcus Vinícius da Silva Dantas, 45, é um dos prejudicados. “Tive que reduzir por conta própria as doses de Soliris, caso contrário, estaria sem remédio desde outubro. Meu médico não gostou”, contou. Dantas foi diagnosticado com HPN em março de 2011 e, por meio de liminar, conseguiu fazer parte da lista dos 406 portadores da doença que recebem a droga do Ministério da Saúde via judicialização. “Faço parte de um grupo de WhatsApp com 100 pessoas com HPN e dali, só eu ainda tenho a medicação. Se o governo não agir logo, assinará nossa sentença de morte”, criticou.

Em contrapartida, o Ministério da Saúde informou, por meio de nota, que uma auditoria da pasta apontou que, “das 414 pessoas que possuíam decisões judiciais para receber o medicamento em 2017, 28 não foram localizadas; cinco não residem no endereço informado; seis se recusaram a prestar informações e 13 já faleceram. Deve ser observado que cerca da metade não apresentou diagnóstico da doença para a obtenção do medicamento”.

Diagnosticada com Hipertensão Arterial Pulmonar — doença rara que afeta o sistema respiratório —, em 2013, Renata Pain, 35, se aposentou no ano passado. Sem os recursos de quem está no mercado de trabalho, ela faz uso de dois medicamentos de alto custo — Sildenafila e Bosentana —, oferecidos pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, e de um terceiro remédio que só conseguiu via ação na Justiça, o Iloprost. Para que não falte o medicamento, ela, anualmente, é obrigada a entrar com um processo judicial e esperar. Uma vez em mãos do Ministério da Saúde, o processo de entrega dos medicamentos, ou dispositivos necessários para o tratamento, duram, em média, três meses.

Para a PAHO, “a possibilidade ou não de ter acesso a um medicamento constitui uma das manifestações mais claras das desigualdades e injustiças entre países na região”. O especialista em saúde pública, Roberto Bittencourt, concorda e se diz inconformado. “O país não deveria enfrentar o dilema de salvar uma pessoa ou comprar dipirona e insumos básicos para os hospitais públicos”, alegou.