2018-06-24 12:00:08
Remédio usado no tratamento da doença neurológica pode provocar descontrole em jogos, comidas e compras, segundo estudo francês. Especialistas alertam para a importância de os pacientes terem a rotina monitorada.
Um dos medicamentos mais utilizados para tratar o Parkinson são os dopaminérgicos, que estimulam a produção de dopamina, neurotransmissor envolvido no controle motor. Apesar de eficaz, o remédio pode gerar dificuldades para controlar impulsos, com risco de surgimento de compulsões diversas — em jogos, compras e comidas, por exemplo. O alerta foi feito por cientistas franceses após um estudo com 411 pacientes acompanhados ao longo de em média três anos. Segundo os investigadores, ainda é necessário entender por que o problema surge em alguns indivíduos, mas os resultados iniciais já ajudam na busca por tratamentos mais eficazes para comportamentos compulsivos.
Os autores do estudo, publicado na última edição da revista especializada Neurology, explicam que os primeiros casos de transtornos de controle de impulsos associados à terapia dopaminérgica foram relatados no início de 2000, e que uma pesquisa realizada em 2010 indicou a mesma relação. “No entanto, a incidência de perda de controle de impulso ainda não havia sido investigada longitudinalmente, em uma pesquisa feita por um longo período de acompanhamento de pacientes”, ressalta ao Correio Jean-Christophe Corvol, médico e pesquisador da Universidade Sorbonne.
No estudo, Corvol e sua equipe analisaram indivíduos que tinham recebido o diagnóstico de Parkinson havia no máximo cinco anos. Os participantes foram questionados sobre transtornos do controle de impulsos relacionados a compras, comida, jogos e comportamentos sexuais ao longo do estudo. Do grupo, 87% dos participantes haviam tomado dopaminérgicos ao menos uma vez. No início da pesquisa, 81 apresentavam um distúrbio de controle de impulsos. Dos 330 sem o problema, 94 (28%) o desenvolveram ao longo dos três anos de contato com os cientistas.
Os pesquisadores identificaram também que doses mais altas da droga e a ingestão prolongada aumentaram a probabilidade de desenvolvimento de distúrbios de controle dos impulsos. A equipe acompanhou um outro grupo composto por 30 pessoas com transtornos de controle de impulso que deixaram de tomar dopaminérgicos. O distúrbio foi sumindo ao longo da investigação, sendo que metade desses voluntários deixou de apresentar o problema após um ano.
Recompensa e motivação
Segundo os autores, a relação entre a perda de controle de impulsos e os dopaminérgicos ocorre porque a dopamina, além de estar envolvida no controle motor, modula comportamentos relacionados à recompensa e à motivação. “O tratamento de Par-kinson é baseado na reposição de dopamina por causa dos sintomas motores, mas também atua em vias do cérebro controlando comportamentos relacionados à recompensa”, destaca. “Não é, portanto, surpreendente (o resultado), embora esses efeitos adversos tenham sido descritos mais de 10 anos após o desenvolvimento dos medicamentos dopaminérgicos. A verdadeira questão é: por que nem todos os pacientes desenvolvem esses comportamentos?”.
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN) e especialista em Parkinson, concorda que as constatações do estudo já são percebidas nos consultórios e chama a atenção para o fato de o trabalho francês trazer um alerta para a importância de um cuidado maior com pessoas diagnosticadas com a doença neurológica. “Esse tipo de estudo nos mostra que precisamos ter uma atenção com os pacientes. Sempre perguntar se a pessoa está sentido algum sintoma relacionado ao transtorno de controle de impulso, como compulsão sexual e de jogos. Temos até alguns relatos interessantes relacionados à hipercriatividade. A pessoa passa a criar coisas fantásticas, o que podemos até interpretar como algo positivo”, justifica.
Corvol também destaca a importância de acompanhar de perto os indivíduos com Parkinson e considerar, com especialistas, o tratamento a que são submetidos. “Esse estudo fornece mais informações sobre o risco de desenvolver comportamentos incapacitantes, mas também devemos levar em consideração o benefício anterior demonstrado com essas drogas — melhora dos sintomas motores e atraso das complicações motoras. Minha recomendação seria monitorar cuidadosamente o paciente durante o tratamento e, se os sintomas forem registrados, diminuir os agonistas da dopamina”, diz.
Os cientistas franceses contam que o próximo passo da pesquisa é tentar prever qual paciente é mais vulnerável aos distúrbios de compulsão. Eles explicam que os fatores de risco clínicos conhecidos — idade, sexo, estado civil, medicamento e dose — não são específicos e suficientes para se fazer uma previsão precisa. “Estou coordenando um projeto para identificar novos genes associados aos transtornos e ao Par-kinson. O objetivo é tentar construir um modelo clínico-genético para prever pacientes com alto risco de desenvolver esses distúrbios”, adianta Corvol. “Ainda precisamos de pesquisas para novas terapias para tratar sintomas não motores no Parkinson e tentar deter o curso da doença, mas essa é outra história.”
“Esse tipo de estudo nos mostra que precisamos ter uma atenção com os pacientes (…) Temos até alguns relatos interessantes relacionados à hipercriatividade”
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN) e especialista em Parkinson