2018-08-18 11:00:08
Médicas falam que chance de trombose existe, apesar de pequena em boa parte dos casos, e escolha do melhor método nunca deve ser imposta pelo ginecologista.
Virou uma questão? Entre alguns grupos de mulheres é cada vez mais comum um relato ou uma história de quem decidiu abandonar a pílula anticoncepcional. Por outro lado, os médicos usam a literatura para dizer que os riscos são pequenos se comparados com os problemas que surgem de uma gravidez indesejada.
Em 1960, as pílulas anticoncepcionais passaram a ser industrializadas. Virou símbolo da liberdade sexual feminina, mas em 1961 já apresentou um primeiro diagnóstico de embolia pulmonar. Outros casos de acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico e infarto foram registrados nos anos seguintes. As evidências foram sendo juntadas e chegou-se à conclusão: o uso de anticoncepcionais hormonais combinados aumentam o risco de trombose.
De acordo com a ginecologista Cristina Guazzelli, a literatura associa esse risco ao estrogênio e há uma relação direta com a dose. A indústria precisou, então, se adequar e criar opções mais “suaves” dos comprimidos. Mais de meio século depois, a quantidade de hormônio caiu até 90% em algumas versões: a quantidade passou de 150 mg para 15 mg (ultrabaixa dosagem), 30 mg (baixa dosagem) e 35 mg (média dosagem).
Risco real
As pílulas modernas apresentam um risco, apesar da mudança de dosagem. Em 2016, a jovem Juliana Bardella, na época com 22 anos, relatou nas redes sociais que desenvolveu uma trombose venosa cerebral e foi internada após usar o anticoncepcional. Muitas usuárias começaram a manifestar dúvidas sobre o uso. Grupos com milhares de mulheres passaram a debater o assunto nas redes sociais.
Entre as buscas mais comuns no Google está “pílula anticoncepcional + trombose”. Vamos colocar os riscos em perspectiva.
De acordo com Guazzelli, o risco absoluto de ter trombose pelo uso da pílula depende de vários fatores, entre eles a idade.
Se você é uma mulher com menos de 30 anos e não toma a pílula, o risco de ter trombose é de 1 a 2 casos para cada 10 mil mulheres. Ao tomar um comprimido contendo etinilestradiol (estrogênio) e levonorgestrel (progesterona), esse risco sobe para 2 a 4 casos para cada 10 mil mulheres. Dobra, portanto. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mulheres que usam anticoncepcionais contendo drospirenona, gestodeno ou desogestrel têm um risco de 4 a 6 vezes maior de desenvolver tromboembolismo venoso, em um ano.
Mesmo assim, o risco de uma mulher de 30 anos ter uma trombose ao tomar a pílula é menor do que quando se está grávida: na gestação, ocorrem de 20 a 80 casos de trombose para cada 10 mil.
Fumantes, mulheres com histórico de trombose na família, pacientes com enxaqueca frequente, obesas, diabéticas não tem recomendação para o método, no entanto, porque são fatores que aumentam as chances de complicações. Mulheres sedentárias também podem apresentar algum efeito colateral, assim como aquelas pacientes que têm dores de cabeça com pequenos lampejos (cefaleia precedida de aura) – quando a mulher vê “estrelinhas, raios de luz”. Os médicos apontam que aquelas que têm mais de 35 anos e são fumantes estão terminantemente proibidas de usar pílula.
Guazzelli diz que existem dois estudos importantes sobre o assunto, os dois com uma boa amostra de mulheres. O estudo EURAS acompanhou 58.674 mulheres, todas da Europa. Já o INAS-SCORE acompanhou 50.203, com usuárias americanas e também de países europeus.
Sobre o EURAS, ela escreve em artigo que foi uma das primeiras pesquisas de longa duração: foram 5 anos de análises com usuárias do método com progestina. Neste tempo, entre as mais de 58 mil mulheres, 118 casos de trombose foram relatados.
Já o INAS apresentou um resultado, que de acordo com Guazzelli, não evidencia uma diferença estatística com relação ao estudo europeu. Entre as mais de 50 mil usuárias de valerato de estradiol (estrogênio) e dienogeste, ocorreram 47 casos de tromboembolismo e 233 eventos cardiovasculares (infarto e AVC).
Em comparação com o número total, poucas mulheres. Mas elas existem, como mostrou a história de Bardella. E é por isso que alguns ginecologistas e médicos da família batem em outra tecla: o direito de escolha.
Quero meu leque de opções
Tainá Souza tem 25 anos e há 4 anos não toma a pílula (assista ao vídeo no topo). Ela diz que foi influenciada pela avalanche de comentários sobre o método nos grupos de Facebook, mas que depois buscou se informar sobre o assunto.
Ela simplesmente não via mais motivo para tomar os comprimidos. Usa, nos dias de hoje, a camisinha, um método que “pode dividir com o parceiro”. Diz, também, que passou a “se sentir diferente” depois de parar de tomar e que não “era boa em lembrar de tomar os comprimidos no horário”.
Os especialistas ouvidos pelo G1 dizem que nenhum médico pode obrigar seu paciente a usar um determinado método contraceptivo. Deve, como explica a médica da família Luiza Cadioli, “ser uma escolha compartilhada”.
Halana Faria trabalha com Cadioli em um coletivo feminista “Saúde e Sexualidade”, com oito médicas da família em Pinheiros, São Paulo.
“A gente passou de uma situação de completa alienação com relação aos riscos do anticoncepcional oral. Na década de 60, a pílula surge como uma grande revolução. E realmente é, por desvencilhar a reprodução do sexo. E também é algo muito fácil para as mulheres”, disse Faria.