2018-10-27 10:00:08
Compostos de bactérias encontradas em planta exclusiva do continente controlaram tumores como os cerebrais, de mama e de pulmão.
Uma pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), campus de Piracicaba (SP), identificou compostos anticancerígenos em bactérias encontradas em gramíneas da Antártica. Segundo o estudo, os compostos se mostraram capazes de impedir o desenvolvimento de tumores como o glioma (cerebral), de mama, próstata e outros seis tipos de câncer.
A descoberta é o primeiro passo para o desenvolvimento de novos medicamentos para combater a doença.
O estudo foi desenvolvido pelo pesquisador Leonardo José Silva no Programa de Pós-graduação em microbiologia Agrícola da Esalq. A linha de pesquisa busca espécies vegetais que resistam a ambientes extremos, como as plantas que sobrevivem a altas ou baixas temperaturas.
Entre os princípios para buscar novas fontes de pesquisa, as plantas precisavam estar em ambientes pouco explorados.
“A Antártica foi o último continente a ser descoberto, é uma região isolada de tudo, onde tem pouquíssima influência do homem, quase intocado, e que foi pouco estudado ainda. Então a gente decidiu procurar algo novo na Antártica.”
Ele explica que, no continente, só existem duas espécies de plantas e uma delas, a Deschampsia antarctica, ocorre exclusivamente no ambiente antártico.
“É uma grama incontínua, espaçada, como se fossem flocos. É uma espécie que conseguiu se adaptar a condições que são bem adversas, então ela consegue crescer mesmo a temperaturas muito baixas e resistir mesmo quando tem a cobertura de neve, como se tivesse uma espécie de proteção”, explica.
A planta existe tanto em áreas costeiras como nas altas montanhas da Antártica. O pesquisador esteve no continente em 2014 para coletar a espécie e pesquisar as bactérias que existem neste tipo de vegetal. As amostras foram coletadas na Ilha Rei George localizada na Península Antártica.
Resistência vegetal
Segundo Silva, a escolha de uma planta como fonte de pesquisa se deve principalmente pelo processo de evolução necessário ao vegetal que “não muda de lugar”, e com isso, precisa encontrar formas de se adaptar para sobreviver ao ambiente.
“Um organismo que consegue se locomover, quando está faltando alimento ou sofre uma ameaça naquele local, ele vai pra outro. Uma planta é fixa, ela não consegue se movimentar, então ela precisa sobreviver ali naquele local independente de tudo que esteja acontecendo ao redor dela”, explica.
Usando o exemplo da caatinga, Silva explica que nessa seleção de micro-organismos, as plantas conseguem estimular um grupo de bactérias quando está muito seco, liberando alguns compostos no solo, que recrutam essas bactérias para criar uma espécie de “filme” protetor nas raízes para que ela não perca água pelo solo.
“As plantas liberam uma série de açúcares, carbono, que usam pra alimento, e as bactérias produzem compostos que favorecem as plantas nessa proteção contra falta de água, por exemplo, ou radiação ultravioleta. E [as bactérias] também produzem compostos que protegem as plantas contra patógenos [doenças]. Então foi apoiado nessa ideia que a gente foi até a Antártica buscar essa planta e as bactérias que estão associadas a elas”, explica Silva.
Novos tratamentos
Ao serem testadas em laboratório, a pesquisa pôde comprovar que essas bactérias encontradas na gramínea Deschampsia antarctica produzem compostos capazes de controlar o câncer in vitro, impedindo o desenvolvimento do tumor.
Os testes foram feitos com nove tipos de tumores: o glioma (cerebral), mama, ovário, rim, pulmão, próstata, cólon, leucemia e um tipo de câncer no ovário mais resistente.
A partir disso, podem ser desenvolvidos medicamentos contra o câncer usando esses compostos descobertos nas bactérias.
A pesquisa teve orientação do pesquisador Itamar Soares de Melo, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Meio Ambiente), e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).