Sincofarma SP

É #FAKE que Doria mandou recolher de farmácias medicamentos experimentais contra a Covid-19 para levar pacientes à morte

Compartilhe:

Facebook
LinkedIn
WhatsApp

2020-05-21 17:41:40

 

Remédios estão em falta em alguns locais porque população correu às drogarias para comprá-los, apesar de eficácia não ser comprovada.

 

Circula nas redes sociais uma mensagem que diz que o governador de São Paulo, João Doria, mandou recolher das farmácias a cloroquina e a hidroxicloroquina com o intuito de levar pacientes com a Covid-19 à morte. É #FAKE.

A mensagem diz: “A intenção é macabra. Doria mandou recolher cloroquina e hidroxicloroquina de farmácias do estado de São Paulo. Eles sabiam do remédio, mas deixaram as pessoas morrerem. Reage, São Paulo!” Na imagem aparecem o governador e o médico David Uip, que foi chefe do Centro de Contingência do Coronavírus do estado, criado pela gestão Doria em fevereiro. Uip pediu afastamento do cargo na semana passada, alegando estafa.

São duas informações falsas. A primeira é a de que o governo Doria tenha determinado o recolhimento dos medicamentos. A afirmação foi negada pela Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo e pelo Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do estado. A segunda é que a cloroquina e a hidroxicloroquina sejam comprovadamente eficazes para inibir a infecção pelo coronavírus e para tratar o paciente contaminado e que podem ser compradas em farmácias sem prescrição médica.

O Ministério da Saúde lançou um protocolo para o uso no Sistema Único de Saúde (SUS) até em casos leves, mas ainda não há estudos científicos que comprovem a efetividade e a segurança da droga para Covid-19.

Por ora, esses remédios não são indicados para tratar a doença fora de ambiente hospitalar, segundo especialistas ouvidos pela CBN. São drogas que já eram conhecidas, e prescritas para quem sofre de malária, lúpus e doenças reumáticas. Mas a Covid-19 é uma doença nova, que os cientistas estão conhecendo neste ano, e, por isso, ainda falta embasamento científico que sustente o uso indiscriminado, fora de ensaios clínicos.

Além de negar o recolhimento, a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo informa que “recebe os medicamentos do governo federal, responsável pelas diretrizes técnicas para uso desses remédios, que prevê o uso somente com indicação ou prescrição médica”.

Procurado pela CBN, o Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sincofarma) informa que não houve registro de recolhimento destes medicamentos de farmácias. “Não recebemos nenhum relato nem sinalização de que isso possa acontecer”, diz comunicado da entidade.

Em todo o estado foi registrado um aumento de 53% entre janeiro e março de 2020 em relação ao mesmo período do ano passado na venda de cloroquina. Apesar de pessoas relatarem a falta em algumas drogarias, o sindicato diz que não há notícia de desabastecimento do medicamento.

“O Sincofarma monitora a questão e está em constante diálogo com as entidades que representam as indústrias farmacêuticas para apoiar seus associados a respeito da produção destes medicamentos e distribuição às farmácias e drogarias”, explica a nota.

A Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), que reúne as grandes redes do país, abarcando 45% do mercado, explica que essa retirada não foi registrada em São Paulo, mas, sim, em outros estados. Governos de estados como Minas Gerais, Paraná e Pernambuco, segundo a entidade, fizeram confisco de insumos médicos para uso em hospitais.

O presidente da entidade, Sergio Mena Barreto, diz que isso ocorreu a partir do momento em que foi decretado estado de emergência em saúde no país por conta do coronavírus, em fevereiro. A informação de que a cloroquina e hidroxicloroquina podiam fazer efeito para a Covid-19 se espalhou logo depois, o que levou à alta na demanda.

“Esse recolhimento aconteceu em muitos lugares do Brasil, mas não no estado de São Paulo, assim como não soube de casos no Rio de Janeiro. Em várias regiões do Brasil, governadores e prefeitos baixaram decretos locais para reter cloroquina, máscaras, luvas. Em Paranaguá (PR), houve caso de recolhimento ainda no porto, com força policial”, diz Mena Barreto.

“Além disso, os princípios ativos, que vêm de países como China e Índia, aumentaram muito de preço, o que dificultou para o fabricante brasileiro e levou também a faltar em farmácias. Ou seja, de um modo geral (no país), a cloroquina continua em falta. Seja porque não há estoque suficiente para a demanda, seja porque houve retenção, ou porque governos compraram maior quantidade do laboratório”, explica. Segundo Mena Barreto, o remédio é usado por 100 mil pessoas no Brasil com quadros de lúpus, artrite reumatoide e malária.

A pneumologista Patricia Canto Ribeiro, da Escola Nacional de Saúde Pública, que trabalha no Rio de Janiero, lembra que a cloroquina e a hidroxicloroquina sempre foram vendidas em drogarias, muitas vezes sem receita médica, e, diante do alarde feito durante a pandemia, observou-se que as caixas passaram a faltar em prateleiras.

No fim de março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a exigência da apresentação de receita para a liberação dos remédios, com o intuito de evitar que pacientes que já os utilizavam ficassem sem suas doses. Isso reduziu as vendas para pessoas sem indicação médica.

Patricia reforça que não há ainda evidências de que esses medicamentos tenham resultados confiáveis para o tratamento da Covid-19. “Não é aconselhável que as pessoas se automediquem. Somente um médico pode definir que tipo de tratamento e em que momento os remédios serão necessários. Lembrando que não existe medicamento sem riscos.”

Ela sublinha que a política de venda de medicamentos no país é muito liberal. “Mesmo medicamentos de uso bem popular podem ter efeitos danosos à saúde, causar alergias ou efeitos colaterais graves e levar até mesmo à morte”, afirma.

O infectologista Leonardo Weissmann, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, faz um alerta quanto ao novo protocolo do Ministério da Saúde: “A população não deve correr às farmácias, porque a medicação não mostrou eficácia no tratamento da Covid-19, e não deveria ser recomendada de rotina.”

Embora não haja consenso sobre o cloroquina na comunidade científica, a droga tem entre seus defensores os presidentes Jair Bolsonaro – que entrou em colisão com os dois ex-ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, porque eles eram reticentes quanto à liberação da substância – e Donald Trump, que já declarou que vem tomando o remédio preventivamente, ou seja, sem estar infectado com o coronavírus.

Até o momento, estudos não só mostram que a cloroquina não traz benefícios aos pacientes com a Covid-19, mas também revelam que ela pode provocar efeitos colaterais potencialmente graves, caso das arritmias cardíacas. Todos os especialistas já entrevistados pela equipe do Fato ou Fake a respeito da pandemia afirmam que ainda faltam estudos com rigor científico para que se confie na cloroquina como remédio a ser tomado em casa. Infectologistas, biólogos, médicos e outros cientistas criticam o uso como proposto.

A Organização Mundial da Saúde, após tomar ciência do protocolo brasileiro, fez um alerta sobre os efeitos potenciais da droga. “Todas as nações, particularmente aquelas com autoridades reguladoras, estão em posição de aconselhar seus cidadãos sobre o uso de qualquer droga. Entretanto, sobre a hidroxicloroquina e a cloroquina, que já são licenciadas para muitas doenças, eu diria que, até esse estágio, nem a cloroquina nem a hidroxicloroquina têm sido efetivas no tratamento da Covid-19 ou nas profilaxias contra a infecção pela doença. Na verdade, é o oposto”, diz o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan.