2020-12-02 12:41:24
Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu, em setembro, as consultas públicas 911 e 912 – participação vai até 7 de dezembro – para estudar a possibilidade de realização de exames laboratoriais por farmácias e drogarias, a medida vem gerando repercussão junto ao setor de análises clínicas. O motivo é que associações, entidades e laboratórios acreditam que a autorização desse serviço em farmácias pode banalizar o atendimento dos pacientes, além de colocar em xeque a qualidade e confiabilidade dos resultados dos exames. A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), no entanto, afirma que a iniciativa irá beneficiar e aumentar o acesso da população a diferentes serviços. Hoje, farmácias e drogarias estão autorizadas a realizar apenas testes rápidos para glicose e Covid-19.
De acordo com o Laboratórios Associados do Sul (LAS), o objetivo dessas consultas é o de tornar esses estabelecimentos comerciais um Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapêutico, o que, segundo eles, pode representar mais riscos do que benefícios. “Não podemos tratar os serviços de saúde como se fossem produtos, pois isso banaliza um atendimento que precisa estar fundamentado em rígidas diretrizes para garantir a segurança dos pacientes. Permitir que estabelecimentos prioritariamente comerciais atuem como estabelecimentos de saúde não traz ganhos e o principal prejudicado é o paciente”, afirmou, em comunicado oficial, o farmacêutico-bioquímico, analista clínico e membro da diretoria do LAS, Jorge Alberto Schaefer.
Uma das preocupações do LAS é que a autorização da realização dos exames em farmácias possa soar como uma “minimização” da complexidade dos serviços. Para a entidade, é fundamental que a sociedade tenha conhecimento acerca das questões que estão sendo debatidas, para que entendam e não criem uma imagem, enquanto consumidores, de que as farmácias terão todos os recursos que os laboratórios possuem.
A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), por sua vez, considera que os exames em farmácias podem aumentar o acesso, mas, em contrapartida, elevar o risco aos pacientes, já que ainda existe uma “falta de definição” sobre quais tipos de exames poderiam ser realizados. Apesar disso, afirma que a iniciativa pode ser positiva, desde que se tenha uma regulamentação que limite a liberação apenas àqueles que são de baixa complexidade – colesterol, glicemia, hepatite, por exemplo. Os exames laboratoriais, segundo a Abramed, embasam até 70% das decisões médicas, o que mostra a importância do diagnóstico preciso.
Em nota oficial, a Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC) mostrou preocupação em relação ao teor das consultas públicas. “As consultas públicas 911 e 912 da Anvisa colocam a saúde pública em risco através do desmanche da instituição laboratorial que conhecemos hoje, reconhecida internacionalmente como o centro da realização de exames de análises clínicas”, diz um trecho do documento. “Se forem aprovadas, representam grave perigo à segurança dos pacientes, pois fragilizam o controle sanitário e a garantia da qualidade”, continua.
Para a SBAC, sem a realização do controle de qualidade interno e externo, os testes em farmácias podem não apresentar a mesma confiabilidade e precisão das análises clínicas, podendo levar, inclusive, a um diagnóstico equivocado.
Em contrapartida, a Abrafarma afirma que as consultas públicas podem transformar o cenário da saúde no Brasil, além de representar um avanço expressivo para a população. Conforme a associação, a consulta pública 911 tem como objetivo alterar resoluções da diretoria colegiada (RDC nº 44 e 320), que regulamentam a prestação de serviços de saúde pelas farmácias e os exames laboratoriais. Uma das propostas, segundo a instituição, é de abrir a possibilidade de realização de testes laboratoriais rápidos, entre outros exames nas farmácias. “Essa mudança atenderia a uma antiga demanda do varejo farmacêutico, especialmente após a Lei nº 13.021/2014, muito clara ao definir a farmácia como uma unidade de prestação de serviços destinada a prestar assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva”, disse o CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto.
Para ele, a democratização do acesso aos exames pode proporcionar, ainda, uma redução de despesas em médio e longo prazo, como aconteceu no caso das vacinas, regulamentadas nas farmácias desde 2017. “O preço médio por paciente, que girava em torno de R$ 140,00 a R$ 180,00, despencou para R$ 70,00 em três anos. Esse é o verdadeiro perigo que as entidades ligadas às análises clínicas temem: reduzir preços de exames em razão da concorrência e de mais oferta e acessibilidade”, comentou.
Caso a ampliação seja aprovada, Barreto estima que as farmácias conseguirão se adaptar rapidamente às mudanças. “Na Abrafarma, temos 8,3 mil farmácias das 26 redes associadas. Por meio do programa de Assistência Farmacêutica Avançados (AFA) implementado pela entidade em 2016, essas redes já somam mais de 4,5 mil salas de serviços e consultórios privativos em todos os estados e no Distrito Federal”. Somente nos últimos 12 meses, computados até outubro, foram mais de 5 milhões de atendimentos nesses espaços. “Em pouco mais de 2,1 mil lojas, nessas mesmas salas, já beiramos 1,1 milhão de pacientes testados para a Covid-19, com notificação dos resultados às autoridades, relatórios semanais e sem envolvimento de nenhum recurso público. Esses números não se limitam a mostrar a capilaridade das farmácias e drogarias espalhadas por todo o País, mas revelam que os brasileiros as reconhecem como o seu lugar de saúde”, garantiu o CEO.