Foto: Panorama Farmacêutico
Em audiência pública realizada na manhã desta terça-feira, 28/06, na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), foi debatido mais uma vez, o Projeto de Lei nº 1774/2019, de autoria do deputado Glaustin da Fokus. O PL altera a Lei nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973, para liberar a comercialização de medicamentos isentos de prescrição (MIPs) em supermercados e estabelecimentos similares, o que inclui conveniências, mercados de bairro e outros estabelecimentos. Sob o argumento de favorecer o acesso a medicamentos, a proposta ameaça piorar um já grave problema de saúde pública e, na verdade, apenas beneficia supermercadistas e indústrias de medicamentos isentos de prescrição.
“Além do enorme dano para a saúde das pessoas, essa lei ainda pode causar desequilíbrio das contas do Sistema Único de Saúde (SUS)”, alertou o presidente do Conselho Federal de Farmácia, Walter da Silva Jorge João. Medicamentos respondem por quase um terço das intoxicações no país e pesquisa da UFGRS aponta que o SUS já gasta 60 bilhões de reais ao ano no tratamento de problemas de saúde causados por medicamentos. “Imaginem como ficará a situação com a banalização do acesso. Não temos motivo nenhum para aprovar esse projeto de lei, a menos que o propósito seja favorecer os interesses dos empresários”, comentou.
“Medicamento não é mercadoria”, concordou Alice Portugal, rebatendo argumentos dos representantes do ramo de supermercados e do Ministério da Economia, de que é preciso contar com o apoio dos supermercados para o acesso aos medicamentos porque não há farmácias em muitas cidades do interior do país. Ela lembrou que o Brasil conta com 90 mil farmácias, 280 mil farmacêuticos e 44 mil unidades básicas de saúde pública, as quais contam com médicos e distribuição gratuita de medicamentos. “Porém, se o problema é ter farmácia em cada município para garantir o acesso, que o Ministério da Economia discuta linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para fomentar a abertura de farmácias por farmacêuticos no interior do país”, sugeriu.
O representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Fabrício Carneiro Oliveira, ressaltou a importância da orientação farmacêutica no uso de MIPs. “Ainda que sejam MIPs e que estejam disponíveis fora do balcão das farmácias, quando você coloca em um estabelecimento sem a responsabilidade técnica do farmacêutico, tiramos do paciente a possibilidade de receber orientação”, salientou.
Tanto a ABCFarma quanto a Abrafarma, que representam o varejo farmacêutico, defenderam que as farmácias existentes e os farmacêuticos em atividade no país são suficientes para atender às necessidades de saúde da população. Especialmente a partir da Lei nº 13.021/14, que reclassificou os estabelecimentos como unidades de assistência à saúde.
O representante da ABCFarma, Rafael Oliveira Espinhel, chamou a atenção para o fato de que, ao contrário do que tentam afirmar os supermercadistas, farmácias e supermercados não possuem exigências sanitárias similares. “Substituir o ácido acetilsalicílico em suas indicações, é muito diferente de, no supermercado, trocar o arroz por macarrão.”
Espinhel rebateu o argumento da redução de custo para a saúde com a liberação da venda de medicamentos em supermercados lembrando que o autocuidado somente tem resultado positivo se ocorre de forma responsável. Usado de forma indevida o medicamento isento de prescrição representa custo. “Quando a gente usa como referência modelos de países desenvolvidos, é preciso entender que são realidades distintas. O Brasil possui mais de 11 milhões de analfabetos. Considerando o analfabetismo funcional, chegamos a 38 milhões de pessoas. Quem vai auxiliar essas pessoas nos supermercados? As farmácias têm um papel fundamental nisso!”
Além da deputada Alice Portugal, também se posicionaram contrários à liberação da venda de medicamentos em supermercados, os deputados Luiz Ovando, Luiz Antônio Teixeira Jr., o deputado Luizinho, Zacharias Kalil e Jorge Solla. O coronel Tadeu disse que ainda não tem uma posição tomada, porém declarou seu apreço e respeito aos farmacêuticos, reconhecendo a importância do trabalho da categoria para a saúde pública.
“Não há argumentação econômica, sanitária ou social que justifique a venda de medicamentos em supermercados e similares. Nós já vivemos uma pandemia silenciosa de uso irracional de medicamentos, porque os danos e as mortes causados por esse mal, aqui e em todo o mundo, não aparecem nas estatísticas. As pessoas adoecem e morrem de hemorragia, hepatite tóxica e outras causas, quase nunca é apontada como causa o uso inadequado de medicamentos. Vamos piorar esse quadro aqui no Brasil”, destacou o presidente do CFF.
Segundo dados do Ministério da Saúde apresentados pelo presidente do conselho, no Brasil, medicamentos causaram quatro intoxicações por hora nos últimos 14 anos, com 533.472 casos. Já os MIPs provocaram nove mil casos de intoxicação entre 2014 e 2018, o que corresponde a seis casos por dia. Mais da metade das vítimas são crianças pequenas e os medicamentos que mais provocam intoxicações estão entre aqueles que os deputados querem liberar a venda nos supermercados.
Ainda de acordo com levantamento feito pelo CFF, com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, e de estudos publicados nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, a venda de MIPs em supermercados coincidiu com o aumento de casos de intoxicação, entre 1993 e 1995, de mais 23%. Com a venda exclusivamente nas farmácias, entre 2007 e 2009, houve queda de 14%. Outro fator de destaque é que o Brasil é um dos campeões mundiais em automedicação, 90% das pessoas se automedicam. De acordo com a pesquisa do CFF, 47% se automedicam pelo menos uma vez por mês, e 25% todos os dias ou, pelo menos, uma vez por semana. Analgésicos, antiinflamatórios e relaxantes encabeçam a lista de medicamentos consumidos por conta própria.