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Ineficiências logísticas no setor de farmácias e como resolver

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Logística: De um lado, as fabricantes de remédios. Do outro, médicos e pacientes. No meio disso, as farmácias. Não há conexão de dados entre eles.

Ineficiências logísticas precisam ser discutidas no segmento pois o bom momento para o varejo farmacêutico. Em 2021, as 26 maiores empresas do segmento que integram a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) registraram faturamento de R$ 67,5 bilhões, 16% a mais do que no ano anterior. E neste ano, de janeiro a setembro, a receita foi de R$ 58,8 bilhões, 17,4% maior do que no mesmo período do ano passado. São dois dos maiores avanços desde 2011, quando o crescimento foi de 19,4%.

 

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O volume de medicamentos e produtos vendidos pelos associados da Abrafarma corresponde a 50% de todo o mercado, mesmo com apenas 10% das 90 mil farmácias do País. Por que isso ocorre? Que responde é o CEO da Abrafarma, Sergio Mena Barreto.

 

A que se deve o bom momento do varejo farmacêutico?

Sergio Mena Barreto– Estamos colhendo frutos do que plantamos nos últimos anos. Passamos por muitas etapas. O último grande investimento foi na transformação digital, melhorar todos os processos de logística e entrega. São cerca de 90 mil farmácias no Brasil. A Abrafarma tem 9,3 mil, mas dispensa mais da metade de todos os produtos farmacêuticos, de higiene e beleza, para a saúde.

 

Por que isso acontece?

Temos uma grande ineficiência logística no Brasil. É um setor complexo. Depende do insumo que vem de fora, de um planejamento de produção bem feito. Os mercados americano e europeu têm um terceiro pagador pelo medicamento. O paciente não paga pelo remédio, quem paga é o seguro saúde ou o governo. Os EUA operam por PBMs [Pharmacy Benefit Management]. As empresas gerenciam para os planos de saúde os medicamentos e pagam para as farmácias por isso. A lógica é: manter o paciente tratado custa menos para o seguro saúde. É melhor do que uma internação. O sistema tem todos os dados, é um processo integrado.

 


ICTQ

 

Estamos longe disso ainda?

Muito longe. A PBM sabe quantas vidas estão sob seu guarda-chuva, quantas dessas são diabéticas, cardiopatas… Então têm previsibilidade da quantidade de medicamentos, quanto vai custar.

Isso dá previsibilidade para a produção industrial e para a venda. No Brasil não temos esse terceiro pagador.

O governo tem os programas de alta complexidade, o de HIV, o Farmácia Popular, que representa R$ 3 bilhões em um mercado de R$ 180 bilhões. É 1,6% do mercado, quase nada. Os outros 98,4% dependem do bolso do comprador.

 

Não existe previsibilidade alguma aqui?

Existe. Mas os dados não são integrados como em outros países. Temos uma ineficiência logística. Nas farmácias independentes, de cada dez itens faltam cinco. É a ineficiência do mercado. Nas associadas da Abrafarma faltam 12%, porque investimos em sistema de logística própria. A RD [RaiaDrogasil], que é a maior rede de farmácia do Brasil, sozinha tem 11 centros de distribuição. O objetivo é minimizar a ineficiência.

 

Em relação aos dados, como compensar essa deficiência?

Identificando o cliente todas as vezes que ele vai à loja. Por isso o pedido do CPF na hora da compra. E aí tem uma grande lenda urbana, de que as farmácias dão os dados e as informações sobre a compra para os planos de saúde. Esses dados são ouro e não damos para ninguém. É para melhorar a previsibilidade, arrumar os estoques e a assertividade. Para reduzir aquela falta de produtos.

 

Como tem sido trabalhado esse processo de integração?

O setor de saúde no Brasil é fragmentado. Não temos prontuário único, como na Inglaterra. Por isso temos nossos próprios dados, com nossa própria expertise. Nossa relação com os fabricantes e com o sistema de saúde é desconectada.

 

E não há um movimento para conectar tudo isso?

Não. Nesse sentido o Brasil está muito atrasado. A Farmácia Popular foi criada no primeiro governo Lula [2003 a 2006], quando Humberto Costa era o ministro da Saúde e eu era do Conselho Nacional de Saúde. Eu dizia que já tínhamos 500 farmácias populares e era ruim, porque eram gerenciadas pelas prefeituras. Nunca tinha nada e custava caro para gerenciar. Eu dizia que só funcionaria quando a gente copiasse a Europa, com o governo dizendo o que a farmácia tem de vender, com um preço de referência, e o governo pagando no final do mês a farmácia. Esse programa era para ter avançado. Tinha a proposta de criar o cartão SUS Universal, que seria o embrião dessa integração. Mas nunca avançou. Hoje temos um número do CNS [Cartão Nacional de Saúde], mas até isso estar integrado a todo sistema vai chão ainda.

 

Você ainda está no conselho? Tem proximidade com o atual governo?

Não. No governo eleito pretendemos propor uma revisão da Farmácia Popular. Contratamos estudo no Insper que aponta algumas melhorias para ser mais assertivo, ser mais inteligente, coibir fraude, dar mais acesso. O programa congelou em 2017. Nenhuma farmácia entrou mais no programa. E o TCU apontou algumas fraudes. Eu tenho dito, por exemplo, para colocar biometria para dar mais segurança.

 

Falta vontade política?

Falta. É o único programa que dá acesso a medicamentos às pessoas mais pobres. Mas carece de avanços.

 

A perspectiva é melhor com o próximo governo?

Já pedimos reunião com a equipe de transição. Podemos avançar em vários outros pontos também. Agora na pandemia começou a prescrição digital, que é importante. Plataformas surgiram, telesaúde, telemedicina… Há uma lei tramitando no Congresso que é boa, mas tem de dar garantias mínimas. Hoje com o sistema que temos, como não há regulamentação, começaram a surgir coisas malucas.

 

Como quais?

A plataforma digital em que o médico prescreve começou a abrir carrinho dentro do consultório do médico. O que é isso? O médico prescreveu cinco remédios e a pessoa já recebe um SMS com uma proposta de venda dos medicamentos. O médico tá virando vendedor de remédio. E essas plataformas estão indo nas farmácias dizendo que têm receitas e estão cobrando por elas.

 

Pfizer

 

Criou-se um intermediário de receitas?

E o cidadão fica à mercê. A receita é dele. Ele é livre. Está virando terra sem lei. É preciso regulamentar. Infelizmente estamos na época do ‘passa a boiada’. Tem de se respeitar o direito de escolha do consumidor.

 

Como estão as vendas on-line?

Impressionantemente altas. Começou na pandemia e continua. Em algumas redes beira 18% das vendas. Era traço.

 

O desempenho do setor, no geral, vai continuar nos próximos anos?

Continua. O País está envelhecendo. E outra coisa: se pegar cinco atrás, todo crescimento vinha de produtos de higiene e beleza. Agora o maior crescimento está nos medicamentos isentos de prescrição, que cresceram 20% de janeiro a setembro. Os não medicamentos — tinturas, protetor solar, desodorante —, 13%. Há ainda crescimento do remédio de uso contínuo, para coração, hipertensão colesterol, artrose. A gente vem de uma cultura em que 54% dos pacientes abandonam o tratamento após seis meses. Com a pandemia, as pessoas estão mais conscientes.

 

A farmácia virou um ponto de atenção primária?

Cada vez mais a farmácia vai acompanhar a jornada do paciente e oferecer produtos adicionais. Estamos investindo muito em vacina. Passamos a aplicar em 2017. Ainda não estamos aplicando a quantidade necessária, mas é um negócio que vai crescer. Teste também. Começou com a Covid-19. Antes a farmácia era autorizada a aplicar um único teste, de glicemia. Só foi possível realizar quase 20 milhões de testes de Covid na farmácia porque houve uma autorização excepcional do Ministério da Saúde.

 

Vem mais?

Agora estamos em conversa com a Anvisa para regulamentar outros 40 testes, de dengue, chikungunha, colesterol… Aprovado isso, mudamos o perfil epidemiológico no Brasil.

 

Recentemente houve falta de insumos. Como está agora?

Foi muito grave alguns meses atrás. Os insumos de 95% do que vendemos vêm de fora. Quando a China fechou, não tinha de onde abastecer. Quando montamos sistema próprio, começamos a fazer melhores análises de fornecedores. Tínhamos produtos fornecidos por três fabricantes e fomos buscar em outros três, para não faltar. Essa ampliação foi uma grande chave para nós.

 

Mas não tem lobby das clínicas para isso não acontecer?

Estamos na briga. Só tem 1 mil clínicas no País que podem aplicar vacina. Na Abrafarma temos 7 mil salas de serviços farmacêuticos. Quando usadas, se tiver um surto de dengue, atuamos muito mais rapidamente. Saberemos onde está e como está se espalhando.

 

Foto: Reprodução

Fonte: Guia da Farmácia