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‘O mérito da rastreabilidade continua vivo’, diz presidente da Anvisa

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O diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, disse considerar oportuna a retomada da discussão sobre o sistema de rastreabilidade de medicamentos no país. Ano passado, às vésperas de entrar em funcionamento, a estratégia foi engavetada por uma lei aprovada às pressas no Congresso Nacional.

 

Àquela altura, parte da indústria e a Anvisa já estavam prontas para colocar o sistema em funcionamento. A reviravolta foi vista como uma derrota para a vigilância sanitária. Para muitos, também como reflexo de uma animosidade de parte dos parlamentares à atuação da agência, que se destacava principalmente por sua posição marcante relacionada à aprovação da vacina contra Covid-19.

 

Durante anos, discussões foram feitas para tentar trazer maior visibilidade sobre o percurso do medicamento, desde a sua produção até pontos de venda ao consumidor. Criar, como se dizia, uma espécie de “CPF” do medicamento.

 

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Barra Torres considera que as informações reunidas pelo sistema de rastreabilidade que havia sido planejado poderiam auxiliar na identificação de eventuais dificuldades de fornecimento de produtos para a saúde. Questões ligadas ao abastecimento foram apontadas pelo grupo de transição do governo Lula como essenciais para a nova gestão.

 

Em entrevista concedida ao JOTA sobre os desafios da agência para 2023, o diretor-presidente da agência falou também sobre as relações com o Congresso, as ações da Anvisa para obter o nível máximo de certificação da Organização Mundial da Saúde e sobre reflexos que a mudança poderia ter para a economia do país. Confirma, a seguir, os destaques.

 

O sistema de rastreabilidade deveria ser retomado com governo e novo Congresso?

Penso que sim. Por razões óbvias, é importante poder rastrear produtos, sobretudo os ligados à área de saúde. Inclusive para extração de informações decorrentes da rastreabilidade: que compra, onde compra, com que facilidade ou dificuldade. Na época, a Anvisa estava pronta para colocar o sistema no ar e com a decisão (do Congresso) o tema não prosseguiu.

 

Mas o mérito da rastreabilidade continua vivo, continua no nosso pensamento. Na época, tentamos o que foi possível. Uma pena, porque o próprio setor produtivo, principalmente os grandes produtores, nos haviam informado que também estavam prontos. Havia dificuldade dos pequenos, mas uma parcela expressiva já estava preparada.

 

Por isso, penso que seria interessante retomar esse tema, numa ótica de tranquilidade em relação a 2023. Todo primeiro ano de governo e de um novo Congresso traz novas esperanças, perspectivas, desafios, mas sempre com tranquilidade. Sem tranquilidade, contamina-se qualquer discurso de trabalho.

 

A rastreabilidade poderia ajudar a monitorar o risco de desabastecimento?

É terrível quando se tem notícias de que determinado insumo ou medicamento perdeu sua validade, ficou no depósito e não foi usado. A rastreabilidade pode servir para extrair dados nesse sentido, embora a questão de controle de estoque seja atribuição do ciclo logístico Já existem ferramentas para o monitoramento, mas a rastreabilidade pode contribuir.

 

Ela estaria pronta?

A retomada seria rápida. Há uma questão que precisa ser transparente. O sistema de rastreabilidade mobilizou recursos do contribuinte.O contrato assinado com a Dataprev previa um investimento de até R $47.871.936,40, em cinco anos. Foram pagos  R $725.810,64, relativos à  entrega inicial da construção do sistema. Numa retomada, um novo contrato terá de ser feito. Será necessário estudar soluções. Da estratégia anterior, ficamos com a construção inicial do sistema que foi entregue pela Dataprev.

 

O governo tem como prioridades o investimento no Complexo Econômico e Industrial da Saúde. A demanda da Anvisa vai aumentar?

Certamente, porque há a certificação de fábrica. E queremos que aumente muito. Porque é bom para o país. É bom para a agência. E mais um estímulo para que haja concurso público para retomar os quadros da agência.

 

Com recursos atuais, a Anvisa tem como responder ao aumento da demanda?

Não há atualmente como responder essa questão, porque não sabemos ao certo qual seria o aumento da demanda para fazer a comparação com o nosso pessoal. Prefiro trabalhar com questões concretas, mas há na agência a firme consciência de que existe uma capacidade de se desdobrar. E isso ficou claro na pandemia. Tenho muita esperança que a questão do concurso vire fato real.

 

Reprodução

 

A redução do quadro de servidores se agravou? Qual a dimensão do problema agora?

Dos 1.600 servidores, 600 estão em abono de permanência, já em condições de pedir aposentadoria. Esse número flutua.. Foi autorizado o preenchimento de 120 vagas. Para que isso se concretize é preciso concurso.

 

Nossa defasagem, no entanto, é de 1.139 servidores, com os 120 incluídos. Esse seria o número para que a Anvisa voltasse a ter o número de funcionários que já teve no passado.

 

Não é nada demais, quando levamos em conta que a agência  regula  22,8% do PIB. Esses são números de 7 anos. Hoje, estima-se que a agência regula cerca dos 30% do PIB. O FDA, por seu turno, tem 18 mil funcionários. Durante a pandemia, lá houve um acréscimo de 390 trabalhadores.

 

Os Estados Unidos não são o Brasil. Mas precisamos lembrar que o FDA tem foco em medicamentos e alimentos. A Anvisa regula alimentos, medicamentos, cosméticos, saneantes,sangue, tecido, instituições de saúde, materiais de saúde, tabaco, fronteiras e por aí afora.. A demanda foi apresentada ao governo de transição. Houve receptividade. Estamos esperançosos.

 

Como está o cronograma para alterar a certificação da Anvisa na Organização Mundial da Saúde?

Temos a certificação, mas nos falta subir para o último degrau. Isso é muito importante no cenário internacional e no bloco regional. Temos ouvido que o Brasil prepara-se para retomar sua posição no cenário internacional.

 

A agência, em 2022, esteve muito presente. Não posso falar de outros organismos, mas nós  estivemos em todos os fóruns de regulação promovidos por organismos internacionais dos quais o Brasil faz parte.

 

A inserção no cenário internacional, no que tange a agência, ocorreu de forma plena. Estamos prevendo que a inspeção da OMS ocorra em 2024. Em 2023 será destinado provavelmente a autoavaliação. Temos ainda a oferta da OPAS para nos inspecionar, como parte do processo preparatório.

 

Mas que impacto tem de fato a classificação da agência para nível 4?

Atualmente já existe uma percepção de que a agência é referência para agências da América do Sul e América Central. Mas quando se chega ao nível quatro, é como chegar ao Everest. Não tem mais nada acima. A interlocução brasileira em 30% de sua economia se fará com uma agência que estará no nível máximo. Isso tem reflexos no cenário mundial, para exportação. Um fator de força para a economia brasileira importantíssimo.

 

O governo tem como meta retomar níveis seguros de cobertura vacinal. A Anvisa vai ser mais demandada? Como os senhores vão se preparar?

Continua o trabalho que sempre existiu. No caso da vacina, no contato com o desenvolvedor, temos a ferramenta de pré-submissão, em que, antes da entrega do dossiê, a área técnica do desenvolvedor se reúne com a nossa equipe, para esclarecer dúvidas. Há também a ferramenta da submissão contínua, em que a análise é feita em etapas. Esse trabalho não muda.

 

O que não sabemos é se, com eventual mudança de enfoque do ministério, haverá alguma solicitação . Se houver, vamos analisar com a mesma autonomia, transparência e independência. A agência não está desconexa com esforços do governo.

 

Essas três características, autonomia, independência, transparência, se reforçam no cenário de tentativas de pressões, de influências, que são indesejáveis. Num regime mais tranquilo,numa sequência de eventos mais rotineira, essas três características em nada conflitam com objetivos nacionais. Então a agência continua inserida no contexto nacional, visa o bem estar do cidadão, o progresso do país e o fortalecimento do mercado que cabe à agência regular.

 

Houve um clima de animosidade contra a Anvisa no parlamento. Isso muda no novo congresso?

Não sei se houve animosidade. Eu vi que diversos parlamentares se manifestaram de maneira portadora de ânimos em relação à agência. Isso aconteceu. Isso acontece. Constituem a maioria? Penso que não. Talvez sejam pessoas que acabam tendo mais volume na voz, mas não penso que seja a maioria do Congresso.

Vejo até o contrário, vejo uma relação muito boa. De nossa parte será boa, porque temos a convicção de que ali estão os legítimos representantes do povo brasileiro. As pessoas que estão lá têm voto. Eles têm de ser respeitados. Penso que isso vai continuar, num viés de melhora. Como agora entra outro governo só vamos falar em eleição federal daqui a quatro anos. Vamos voltar à importância específica de cada tema, sem nada além.

 

Quais serão as prioridades em 2023?

Concurso público virar realidade, a autoavaliação certificação na OMS.

 

E a confiança regulatória?

Esse é um tema mundial, importantíssimo. Vamos concretizar e isso ganhará ainda mais força quando chegarmos ao nível 4 de certificação da OMS.  E o reliance é mão e contramão. Bilateral, não pode ser, em absoluto, um reliance de o Brasil aceitar e confiar no que vem de um país de maior desenvolvimento que o nosso e não haver recíproca. Reliance envolve os dois lados. Complexo de vira-lata ele não passa do portão da Anvisa.

 

 
Foto: Reprodução
Fonte: Jota