Doença de Alzheimer – Após a confirmação do diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida, o chão abre-se sob os pés dos familiares mais próximos e, no momento seguinte, é como se todos estivessem dentro de um quarto escuro.
A doença de Alzheimer provoca grande impacto, pois afeta não só a memória, mas também o comportamento do paciente, criando situações bastante desafiadoras e progressivas, a começar pelo pêndulo do sofrimento, que representa um ajuste comportamental e emocional frente a esta nova experiência de ausência de chão e quarto escuro.
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Ressalto a presença deste pêndulo em todo raio de cuidado, tocando não apenas o paciente, mas familiares e profissionais da saúde. Reconhecer o balanço dele, entre uma esfera de extremos, como negação ou esperança desproporcional ou mesmo centrada na aceitação e sabedoria (pêndulo no centro), é de suma importância para o trabalho de equipe, evitando uma comunicação violenta e entendendo que ações simples como uma escuta ativa, podem ser suficientes para determinado dia.
O cuidado daqui para frente, meus amigos, muda de complexidade. Agora, será preciso fazer a gestão da energia empregada para lidar com a nova vida. Isso mesmo. O mais importante é direcionar os esforços e evitar o caos. Vejo na prática clínica muitas famílias se desgastando além do necessário e o pior: sendo pouco efetivas em resultados.
Para acender a luz do quarto escuro e mostrar onde estão as ferramentas necessárias, e em qual momento ativar cada uma delas, é possível contar com o apoio dos profissionais de cuidados paliativos, junto com uma equipe multidisciplinar de saúde.
Minha experiência na atenção domiciliar e em lares de idosos nos últimos 12 anos me mostrou que para começar a jornada a pena e a culpa precisam sair da sala. Só assim a nova realidade vai encontrar o seu lugar na rotina e as tarefas poderão ser distribuídas entre os cuidadores ativos daquele paciente.
É comum existir um cuidador principal que geralmente reside com o paciente e vive a realidade da doença dia e noite. Então, meu alerta é que os demais familiares precisam se manter atentos a esse cuidador principal, uma vez que ele é o mais propenso a adoecer também, mas de estafa física, mental e emocional – sem que ninguém se dê conta.
Os demais cuidadores podem se dividir com as questões financeiras, burocráticas, compra e entrega de medicamentos, alimentos, acompanhamento nas consultas, visitas, e garantir folgas periódicas para o cuidador principal se restabelecer.
Outro ponto importante para ser discutido em família são as tomadas de decisão ao longo da progressão da doença: contratação de cuidador profissional, interdição, via de alimentação e encaminhamento para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), por exemplo.
Mas como dar conta das próprias emoções e ter ainda a concordância de todos os envolvidos em cada decisão, em cada etapa?
Esse é mais um desafio do caminho, além do cuidado com o paciente. Por esse motivo, eu recomendo fortemente que os familiares procurem os grupos de apoio. Compartilhar as dificuldades e ouvir outras realidades, com a mediação de profissionais capacitados, tem um poder de “desfazer os nós e reatar os laços” que vocês não imaginam.
Costumo dizer que as doenças desencadeiam um processo de sofrimento coletivo iniciado no indivíduo (paciente) e ecoado para o núcleo familiar, para a família ampla, para a vizinhança e para a comunidade como um todo.
Doença de Alzheimer
Doença de Alzheimer
Trata-se de um processo longo que exige e transforma demais todos os envolvidos, especialmente os que estão na linha de frente. Vão existir dias iguais, melhores e piores. Disciplina nos dias iguais, criatividade coletiva nos dias bons e sabedoria nos dias difíceis. E quando a mente chacoalhar nosso coração e ativar uma ansiedade desenfreada sobre o que pode acontecer amanhã, lembre-se deste jargão: um dia de cada vez. Repita-o umas três vezes com os olhos fechados e sentindo dentro do coração!
Lembre-se sempre que o paciente não é a doença e o familiar não é só um cuidador. Eles não se resumem a isso, são infinitamente maiores do que o momento atual.
O acompanhamento dos profissionais de saúde, integrados com o médico paliativista, e os grupos de apoio trazem o conforto e o suporte para que essa seja uma jornada proveitosa, dentro de um quarto com as luzes acesas e ferramentas disponíveis. De novo: um dia de cada vez.
Ao final da travessia, todos certos de que deram o seu melhor, o que repousa no coração é o amor e a paz do dever cumprido.
Sobre o Dr. Rafael Barone de Medeiros
Médico Paliativista e Clínico Médica (CRM/SC 14476 / RQE 10.771 / 10.401). Formado pela
UNIFESO/RJ, atua desde 2012 no atendimento aos pacientes portadores de doenças crônicas e que ameaçam a continuidade da vida, sendo referência no estado de Santa Catarina.
Residência Médica pelo HRSJ/SC, Medicina Paliativa pela UFSC/SC e Mestre Multiprofissional pela UFSC/SC.
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Bruna Gregorius
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