Entre 2013 e 2023, a Região Norte foi a mais afetada e a forma de infecção mais comum foi pelo consumo de alimentos contaminados
Um grupo de farmacêuticos pesquisadores analisou o perfil epidemiológico de pacientes na fase aguda da doença de Chagas e avaliou a prevalência dos casos, no Brasil, nos últimos dez anos (2013 a 2023). A infecção provocada pelo Trypanosoma cruzi, transmitida pelo inseto hematófago (que se alimenta de sangue), popularmente conhecido como barbeiro, pode ocorrer de diversas formas. A análise de como essa transmissão ocorre é essencial para orientar políticas de saúde pública. O estudo focou em casos confirmados da forma aguda dessa enfermidade, por ser esta manifestação de notificação obrigatória no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Para isso, as informações foram obtidas dos bancos de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, o DATASUS.
Os pesquisadores observaram diferentes variáveis, como o ano da notificação, gênero, raça, modo de infecção e faixa etária das pessoas infectadas. Durante a análise, foram identificados 2.603 casos notificados, entre 2013 e 2023, e a Região Norte foi a que concentrou o maior número das infecções (95,24%), seguida pela região Nordeste (3,80%), enquanto as demais regiões representaram aproximadamente 0,96% dos casos. A predominância de casos foi observada em homens (54,47%), sendo que a faixa etária mais afetada foi de pessoas entre 20 e 39 anos. O ano de 2019 foi o que registrou o maior número de casos (385), e a maioria das pessoas afetadas se identificou como de cor parda (81,44%).
Um achado relevante do estudo foi o modo predominante de infecção: a transmissão oral, identificada em 84,68% dos casos, superou a transmissão vetorial, geralmente associada à contaminação pelas fezes do triatomíneo. Esse dado reflete uma mudança significativa no perfil epidemiológico da doença, especialmente, na Região Norte, onde a ingestão de alimentos contaminados, como o açaí e outros alimentos consumidos crus, tem sido um fator importante de transmissão. O farmacêutico Marcos Almeida, autor principal do estudo, destacou que a alta prevalência da transmissão oral evidencia a necessidade urgente de se adotar estratégias de intervenção focadas na segurança alimentar, além de reforçar medidas de vigilância em saúde voltadas para a prevenção dessa forma de contaminação.
A Região Norte, por ser a mais afetada pela doença de Chagas aguda, acende um sinal de alerta para a necessidade de intensificar ações de saúde pública que abordem tanto a prevenção quanto o controle da doença. Marcos Almeida ressalta que, por se tratar de uma doença negligenciada, o desafio é ainda maior para os gestores de saúde e para a população exposta ao risco. “A vulnerabilidade social e econômica das áreas mais atingidas amplia a dificuldade de combate à doença, exigindo uma abordagem integrada e efetiva por parte das autoridades de saúde”, alertou o pesquisador.
O que diz a resolução do CFF sobre doenças negligenciadas
O farmacêutico membro do Grupo de Trabalho sobre Doenças Tropicais e Negligenciadas do Conselho Federal de Farmácia, Luann Wendel Pereira de Sena, ressalta que a Resolução CFF nº 747, publicada em 2023, sobre Doenças Tropicais e Negligenciadas (DTNs), colocou o farmacêutico num papel central no combate à doença. A normativa regulamenta as atribuições dos farmacêuticos no manejo de doenças como a doença de Chagas, ampliando o escopo de atuação desses profissionais. De acordo com a resolução, o farmacêutico é responsável por cooperar com a formulação e implementação de políticas públicas para a prevenção, controle e eliminação de agravos à saúde, seguindo os princípios da Saúde Única (One Health). “Esse princípio, que considera a interconexão entre saúde humana, animal e ambiental, é particularmente relevante para regiões como a Amazônia, onde fatores ambientais e sociais se entrelaçam, favorecendo a transmissão de doenças negligenciadas”, explica o farmacêutico.
Outro ponto de destaque da resolução, que vem ao encontro da pesquisa realizada pelos farmacêuticos, é a responsabilidade de esses profissionais fomentarem pesquisas científicas no contexto das DTNs. “A promoção de estudos epidemiológicos, como o realizado neste trabalho sobre a doença de Chagas, é fundamental para embasar a formulação de políticas de saúde pública e melhorar a abordagem terapêutica e preventiva. Além disso, os farmacêuticos devem atuar em programas de capacitação e educação continuada, garantindo que os profissionais de saúde estejam sempre atualizados e preparados para lidar com os desafios impostos por essas doenças”, afirmou Luann Wendel. E disse, ainda, que no caso da doença de Chagas, o monitoramento dos alimentos que podem ser potenciais vetores da infecção, como o açaí, exige uma vigilância constante e uma resposta ágil por parte dos serviços de saúde, com a participação ativa dos farmacêuticos.
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