Pesquisadores da Universidade de Cambridge descobriram mecanismo desencadeado por medicamento que impede propagação de alguns tipo de câncer
O ácido acetilsalicílico, a popular aspirina ou AAS, tem sido alvo de investigações de cientistas como um aliado no tratamento de pacientes com câncer para evitar metástases em tumores de mama, intestino e próstata, mas os mecanismos que levavam a esse possível resultado ainda não tinham sido explicados. Em um evento classificado como “fortuito”, pesquisadores da Universidade de Cambridge decifraram como o medicamento diminui um fator de coagulação e libera os linfócitos T, células do sistema imunológico que comandam a defesa do organismo. O achado foi publicado na revista científica Nature nesta quarta-feira, 5, e abre caminhos para evitar que o câncer se espalhe.
O grupo estava, na verdade, tentando compreender como o sistema imunológico responde à metástase e, ao explorar 810 genes em camundongos, localizaram 15 com efeito na disseminação dos tumores. Ao avaliar cobaias que não tinham um gene que produz uma proteína chamada ARHGEF1, os pesquisadores perceberam que eles manifestavam menos metástases no pulmão e no fígado.
“Apesar dos avanços no tratamento do câncer, muitos pacientes com câncer em estágio inicial recebem tratamentos, como a remoção cirúrgica do tumor, que têm o potencial de serem curativos, mas depois recidivam devido ao eventual crescimento de micrometástases”, disse, em comunicado, Rahul Roychoudhuri, professor do Departamento de Patologia da universidade e líder do estudo.
Uma nova investigação teve início e eles notaram uma relação entre essa proteína e as células T, que têm a habilidade de reconhecer e aniquilar as células cancerígenas metastáticas. A peça que faltava era compreender essa interação. O que ocorre é que o ARHGEF1 é ativado quando as células de defesa são expostas a um fator de proteção conhecido como TXA2, o tromboxano A2.
Logo eles reconheceram o elemento, que atua no funcionamento da aspirina e está ligado aos efeitos anticoagulantes que levam o remédio a prevenir infartos e AVCs.
“Foi um momento Eureka quando descobrimos que o TXA2 era o sinal molecular que ativa esse efeito supressor nas células T. Antes disso, não tínhamos conhecimento da implicação de nossas descobertas na compreensão da atividade antimetastática da aspirina. Foi uma descoberta totalmente inesperada que nos enviou por um caminho de investigação bem diferente do que havíamos previsto”, afirmou, em também, Jie Yang, pesquisador da universidade.
No futuro, resultados podem ajudar tanto no uso direcionado do medicamento quanto no desenvolvimento de fármacos para prevenir metástases. “A aspirina, ou outros medicamentos que podem ter como alvo essa via, têm o potencial de ser menos dispendiosos do que as terapias baseadas em anticorpos e, portanto, mais acessíveis globalmente”, diz Yang.
Cuidados com a aspirina
Apesar dos achados positivos, é preciso ter cautela e aguardar avanços na pesquisa. “Os dados são preliminares e a gente precisa de estudos clínicos desenhados com propósito em humanos para mostrar que a aspirina tem o mesmo efeito que demonstrou em camundongos, ou seja, que, por meio de sua ação antitrombótica, ela consegue minimizar ou bloquear o mecanismo de metástases, o que talvez seja o maior desafio de tumores diagnosticados precocemente e que acabam voltando”, explica Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co. e presidente do Instituto Oncoclínicas.
Mesmo assim, a pesquisa tem relevância científica. “É um dos indícios mais importantes do conhecimento sobre a disseminação do câncer nos últimos anos.”
É importante destacar que os resultados não mudam os protocolos de tratamento e a automedicação não deve ser realizada por ninguém, cuidado que deve ser redobrado em pacientes que tratam um câncer. Em algumas pessoas, a aspirina pode causar efeitos colaterais graves, como sangramentos e úlceras estomacais.