Embora já haja exame capaz de preveni-lo, câncer colorretal é o segundo mais comum entre homens e mulheres no Brasil
O recente relato de Preta Gil sobre sua luta contra o câncer colorretal trouxe à tona um ponto delicado e urgente: a negligência com os sinais do próprio corpo. A cantora revelou que, por muito tempo, ignorou sintomas que hoje reconhece como alertas importantes.
A correria do dia a dia, o descuido com a alimentação e a falta de exames regulares contribuem para que muitas pessoas só descubram a doença em estágios mais avançados. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), o câncer colorretal é o segundo mais incidente tanto em homens quanto em mulheres no Brasil.
Por outro lado, a médica coloproctologista Suyanne Lopes explica que o câncer colorretal “é um dos poucos em que se pode falar, de fato, em prevenção”. “Na maioria dos exames, quando a gente pensa, por exemplo, na mamografia, estamos falando de uma detecção precoce para iniciar o tratamento o quanto antes. O câncer de cólon a gente consegue, de fato, prevenir”, diferencia.
A especialista conta que essa prevenção acontece através da colonoscopia, exame que vai detectar lesões pré-malignas conhecidas como pólipos, que, se não forem retirados, “podem crescer e se tornar um câncer de intestino no futuro”.
Atualmente, a indicação do Ministério da Saúde do Brasil é que o exame passe a ser feito a partir dos 50 anos, embora, nos consultórios clínicos, o mais comum é que eles sejam pedidos a partir dos 45 anos, tanto para homens quanto para mulheres.
Suyanne afirma que o que embasa essa indicação é a literatura científica de outros países e “o alarmante adoecimento de uma população cada vez mais jovem”. De acordo com a especialista, já existem estudos mostrando que “quem nasceu a partir de 1990 tem duas vezes mais risco de desenvolver câncer de cólon e quatro vezes o câncer de reto em relação àqueles nascidos na década de 1950”.
Mudanças comportamentais
Os fatores que teriam contribuído para esse aumento significativo seriam basicamente comportamentais. “Hoje, temos uma dieta muito industrializada, com alimentos embutidos, processados e uma população que consome bastante açúcar. Uma dieta com excesso de carne vermelha e pobre em fibras e vegetais. Além de vivermos uma epidemia de obesidade no mundo, que é comprovadamente um fator de risco para vários tipos de cânceres”, declara Suyanne.
Aliado à alimentação, o sedentarismo impulsionado por uma vida cada vez mais conectada à tecnologia também estaria influenciando o quadro. Um estudo divulgado em 2013 mostrou que 29% dos casos de câncer colorretal atingiram pacientes com menos de 55 anos, enquanto nos anos 1990 esse número era de 15%. A mudança não é exclusiva do Brasil, como comprova o caso do ator Chadwick Boseman, intérprete do “Pantera Negra”, que, em 2020, faleceu aos 43 anos, vítima de câncer colorretal.
No Brasil, Simony revelou a doença em 2022, enquanto Preta Gil descobriu o câncer quando tinha apenas 48 anos. “É uma mulher extremamente jovem, fora da faixa etária de pico da doença, que teve o diagnóstico porque já tinha vários sintomas. Ela fala abertamente sobre isso, sabe-se que a Preta Gil procurou atendimento médico já com sintomas muito intensos”, ressalta Suyanne.
Ela reforça que o câncer colorretal, em geral, “torna-se sintomático quando a doença já está em estágios mais avançados”. “Os pacientes em estágios precoces frequentemente são assintomáticos. Quando aguardamos a presença de sintomas para realizar o diagnóstico, muitas vezes estamos falando de pacientes com a doença em estágio mais avançado”, reitera.
A médica informa que esses estágios são divididos nos níveis 1, 2, 3 e 4, correspondendo, respectivamente, a uma taxa de sobrevida de 90% a 95% no primeiro caso; 70% a 85% no segundo; 50% a 70% no terceiro; e 10% a 15% no quarto; com um período médio de cinco anos de sobrevida.
Sinais de alertaF
Suyanne destaca que “toda mudança abrupta na saúde intestinal deve levar a pessoa a procurar uma avaliação médica imediata”. “Existem alguns sinais que são mais perigosos, como a presença de sangue nas fezes, a perda de peso não intencional, uma anemia de fonte não esclarecida, dor abdominal, mudança no padrão das fezes”, enumera, detalhando que “uma pessoa que tinha um hábito intestinal regular e passou a ficar com o intestino preso, com inchaço na barriga e mudança na coloração das fezes” deve se alertar.
“Quando existe uma suspeita de câncer colorretal, o paciente deve ser submetido à colonoscopia”, orienta. No caso da colonoscopia tradicional, um aparelho é introduzido pela região anal a fim de estudar o intestino grosso. “Esse é o único exame que permite a retirada de fragmentos de lesão no intestino para enviá-los ao laboratório e realizar uma biópsia que vai esclarecer se aquela lesão é um câncer ou não”, explica Suyanne.
Exames de imagem como tomografia e ressonância não entrariam “na fase de diagnóstico”. Sua função seria a de compreender o estágio em que encontra-se a doença e determinar o tratamento mais adequado. “Nem todo câncer de cólon segue o mesmo tratamento, é preciso levar em consideração a idade do paciente, o resultado da biópsia, o estágio e a velocidade de crescimento da doença”, informa a especialista.
Cada vez mais presente no mercado, a chamada “colonoscopia virtual” atenderia aos mesmos princípios da tomografia, uma vez que ela opera “uma imagem de reconstrução em 3D do intestino”. “Entretanto, ela só consegue ver, mas não realiza a biópsia, não é capaz de dar um diagnóstico”, pontua Suyanne, que sublinha que a idade avançada, o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcóolicas e doenças inflamatórias intestinais são “fatores de risco não modificáveis para o câncer colorretal”.
Tratamento pode incluir cirurgia e quimioterapia
A médica coloproctologista Suyanne Lopes informa que o tratamento para o câncer colorretal pode incluir a opção cirúrgica, quimioterapia e radioterapia. “Quando o tumor tem possibilidade de ser retirado com cirurgia essa ainda vai ser a primeira opção para a maioria dos pacientes e pode ser complementada com quimioterapia”, sustenta. Já a radioterapia ficaria reservada aos tumores no reto, especificamente em sua parte final. “Ela não costuma ser utilizada como primeira linha de tratamento para o câncer de cólon”, observa a médica.
Considerações relativas ao tamanho e avanço do tumor e à existência de linfonodos doentes na região são levadas em conta na hora de decidir pelo tratamento adequado. “É essencial considerar a condição clínica do paciente. Nem todos irão tolerar aquele tratamento, seja pela fragilidade física, pelo estágio da doença, pela idade. Todos esses fatores precisam ser observados. Afinal de contas, não tratamos a doença, mas o paciente”, arremata Suyanne.