O risco invisível dos suplementos e fitoterápicos vendidos sem controle e de procedência duvidosa.
O crescimento no consumo de medicamentos ditos naturais e suplementos no Brasil e no mundo tem levantado sérias preocupações entre especialistas em saúde pública, farmacêuticos e toxicologistas. Embora comercializados como produtos inofensivos, isentos de prescrição e com apelo à saúde natural, análises laboratoriais recentes revelam uma realidade alarmante: muitos desses produtos escondem em sua composição substâncias sintéticas farmacologicamente ativas, potencialmente perigosas, algumas, inclusive, de uso controlado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Pesquisas conduzidas por universidades e centros de toxicologia têm identificado a presença indevida de fármacos como fluoxetina, sibutramina e benzodiazepínicos (substâncias de venda controlada), misturados a cápsulas vendidas como “fitoterápicos” ou “suplementos alimentares”. Os fitoterápicos são medicamentos e os suplementos alimentares são alimentos para indivíduos saudáveis e precisam estar regularizados aos órgãos sanitários.
“O paciente acredita estar utilizando um produto natural e seguro, quando, na verdade, está sendo exposto a substâncias que exigem prescrição médica, dispensação farmacêutica, acompanhamento profissional e controle rigoroso. Isso é um risco grave à saúde pública”, alerta o farmacêutico e toxicologista Dr. Rafael Lanaro, membro do Grupo de Trabalho Sobre Toxicologia do Conselho Federal de Farmácia (GTST/CFF).
Além destes casos, produtos supostamente naturais utilizados para tratar dores crônicas, como dores nas costas e nas articulações, também têm sido foco de alerta. Diversos produtos analisados revelaram a presença de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como diclofenaco, naproxeno e paracetamol, substâncias que, se utilizadas de forma crônica e sem orientação, podem provocar lesões hepáticas, renais e gástricas.
De acordo com o especialista, um dos grandes problemas na comercialização de suplementos e produtos “ditos naturais” que não atendem à legislação vigente e, muitos desses produtos, são vendidos livremente na internet, redes sociais, feiras ou em estabelecimentos sem autorização sanitária e profissional legalmente habilitado que possa orientar no seu uso.
O farmacêutico e toxicologista coordenador do GTST/CFF, Dr. José Roberto Santin, observa que alguns fabricantes utilizam alegações enganosas para vender produtos como ‘emagrecedores naturais’, ‘calmantes fitoterápicos’ ou ‘anti-inflamatórios naturais’, mas, na verdade, inserem nos produtos ativos não autorizados como suplementos alimentares e fitoterápicos com ativos sintéticos para garantir efeitos rápidos — e, com isso, atraem o consumidor.
“Um agravante é que a maioria dos consumidores desses produtos não associa sintomas adversos ao uso dos produtos ditos naturais, dificultando a notificação e o rastreio de casos de toxicidade”, explica Santin.
O que o consumidor pode fazer?
Diante desse cenário, recomenda-se atenção redobrada ao adquirir qualquer produto que prometa efeitos terapêuticos — mesmo que rotulado como “natural” ou “suplemento”.
Confira algumas orientações básicas:
• Desconfie de promessas milagrosas, especialmente aquelas com efeitos rápidos ou exagerados.
• Evite comprar produtos em sites ou redes sociais sem respaldo técnico e sem registro na Anvisa.
• Sempre consulte o farmacêutico antes de iniciar qualquer tratamento, mesmo que seja à base de plantas ou suplementos.
• Verifique no rótulo se há número de registro ou notificação junto à Anvisa.
• Em caso de efeitos adversos, interrompa o uso imediatamente, procure atendimento médico e notifique os sintomas ao sistema de farmacovigilância da Anvisa (VIGIMED).
• Verifique se o medicamento possui registro sanitário e procedência confiável.
Os medicamentos sejam sintéticos ou fitoterápicos:
• Registrados ou notificados pela Anvisa;
• Fabricados por empresas licenciadas;
• Comercializados em farmácias e drogarias com farmacêutico presente;
• Prescritos por profissionais habilitados, quando necessário;
• Acompanhados de bulas com informações completas e claras.
Já os produtos sem registro, vendidos como “naturais” e fora de canais regulares não oferecem garantia de segurança, eficácia ou qualidade.
A ideia de que tudo o que é “natural” é seguro não resiste às evidências. A fabricação intencional de produtos com substâncias controladas, sem o conhecimento do consumidor, é uma prática criminosa que põe vidas em risco. A fiscalização precisa ser constante, por parte das autoridades, dos farmacêuticos, demais profissionais e, principalmente, dos próprios cidadãos.