Decisão garante recomposição de prazo da molécula biológica da Novo Nordisk e abre precedente positivo para solucionar casos de atraso do INPI.
A Justiça Federal determinou a recomposição do prazo de vigência da patente da liraglutida biológica, presente nos medicamentos da Novo Nordisk para diabetes e obesidade – Victoza e Saxenda.
A sentença reconhece que a demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para conceder a patente foi “desproporcional e injustificada”, garantindo à companhia o direito de restauração do seu período de exclusividade em 8 anos, 5 meses e 1 dia. A decisão, da qual ainda cabe recurso, é um precedente relevante para a discussão sobre segurança jurídica e o ambiente de inovação no Brasil.
A sentença judicial se ampara em um entendimento crucial do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2021, o STF declarou inconstitucional o dispositivo legal que prorrogava automaticamente o prazo de vigência de patentes. Contudo, na mesma decisão (ADI 5529), a Corte elogiou os sistemas de PTA (Patent Term Adjustment) vigentes no exterior e distinguiu a prorrogação automática e genérica (do extinto art. 40 da LPI), da possibilidade de um ajuste pontual e fundamentado, para compensar a demora irrazoável e injustificada do INPI no processo de análise de patentes.
É exatamente nesse racional que se baseia a decisão favorável à Novo Nordisk, ao reconhecer que o direito fundamental do titular da patente à exclusividade temporária é a essência da proteção patentária, e que o ajuste do prazo de vigência da patente seria a medida mais adequada e eficaz para reparar o dano causado pela ineficiência estatal.
De acordo com Ana Miriam Dias, diretora jurídica da Novo Nordisk no Brasil, a controvérsia central não é sobre estender o prazo de 20 anos de proteção, padrão global, mas sim sobre como esse prazo é consumido pela burocracia. A executiva explica que a lei brasileira estabelece que a exclusividade de uma invenção depende da concessão da patente pelo INPI, no caso desta patente da liraglutida, o processo de análise levou mais de 13 anos, o que na prática consumiu a maior parte do período de proteção ao qual a empresa teria direito para recuperar os altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
“A decisão da Justiça Federal reconhece que a demora excessiva na análise de patentes não pode penalizar a inovação. O que buscamos é segurança jurídica para continuar investindo e trazendo ao Brasil os tratamentos mais modernos à população como um todo”, afirma.
Ela ainda acrescenta que um ambiente de previsibilidade é fundamental não apenas para a indústria farmacêutica, mas para todo o ecossistema de inovação do país. “Sem a garantia de que o direito à patente será respeitado e o exame ocorrerá em um prazo razoável, o Brasil corre o risco de ficar para trás no acesso a novas tecnologias em saúde”, acrescenta.
Pleito da extensão da patente da liraglutida também é defendido para o Ozempic
O debate sobre a proteção patentária acontece em um cenário de avanço de doenças crônicas graves, como a obesidade, que já atinge mais de um bilhão de pessoas em todo o planeta, quase um terço dos adultos brasileiros e representa um custo crescente para o sistema de saúde. Um estudo do Departamento de Medicina Preventiva da USP apontou que, em 2019, R$ 1,5 bilhão dos gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com doenças crônicas foram atribuídos ao sobrepeso e à obesidade.
A Novo Nordisk reforça que a proteção patentária é o pilar que sustenta todo o ciclo de inovação. “É o retorno obtido durante o período de exclusividade que financia a pesquisa de novas moléculas e tratamentos, que por sua vez, permite a futura entrada de medicamentos genéricos e biossimilares no mercado, ampliando esse acesso a quem mais precisa. O mesmo princípio defendido no caso da liraglutida se aplica ao pleito da companhia sobre a patente da semaglutida, princípio ativo de Ozempic, Rybelsus e Wegovy, que também esperou mais de 13 anos pela análise do INPI”, conclui Ana Miriam.
Reportagem do Estadão cita que o jornal procurou a EMS, que produziu a primeira versão nacional da liraglutida, mas a farmacêutica disse que não comentaria a decisão judicial.