O cannabis medicinal deixou de ser visto apenas como um recurso alternativo e passou a ganhar espaço na prática clínica veterinária, especialmente em casos de dor crônica, distúrbios neurológicos e ansiedade
Nos últimos anos, a cannabis medicinal deixou de ser vista apenas como um recurso alternativo e passou a ganhar espaço na prática clínica veterinária, especialmente em casos de dor crônica, distúrbios neurológicos e ansiedade.
O que antes era tabu, hoje se apoia em evidências crescentes que mostram como os fitocanabinoides atuam no sistema endocanabinoide de cães e gatos, regulando processos como apetite, sono, inflamação, convulsões e bem-estar geral.
Para tutores, os benefícios vão além da melhora clínica: em muitos casos, a terapia canabinóide representa uma nova chance de qualidade de vida para animais já sem opções terapêuticas convencionais.
O campo da oncologia veterinária, em particular, tem observado resultados promissores. Estudos in vitro com células tumorais de cães demonstraram que compostos derivados da cannabis podem inibir o crescimento celular e até potencializar a ação de tratamentos já estabelecidos, como a quimioterapia e a radioterapia (de Carvalho Barros et al., 2024; Wakshlag et al., 2021).
Em um modelo experimental de glioma canino, por exemplo, o canabidiol (CBD) associado à radiação aumentou a sobrevida dos animais em comparação à radiação isolada (Campora et al., 2025).
Relatos de casos clínicos também reforçam o potencial paliativo: cães com carcinoma de bexiga ou tumores metastáticos apresentaram melhora significativa em parâmetros como dor, apetite e disposição após a introdução de extratos de cannabis, inclusive em situações em que a indicação inicial era apenas o manejo de fim de vida (Oliveira et al., 2022).
Ainda que os mecanismos antitumorais diretos precisem de mais comprovação clínica, o efeito no controle de sintomas já é considerado um diferencial.
Para pacientes oncológicos, a cannabis pode atuar como aliada não apenas no combate à dor e à inflamação, mas também na preservação da qualidade de vida, reduzindo sofrimento e proporcionando mais tempo — e conforto — ao lado dos tutores.
Na graduação em Medicina Veterinária, os futuros profissionais aprendem detalhadamente sobre os sistemas respiratório, urinário, digestório, cardiovascular, entre tantos outros.
Mas um dos mais complexos e fundamentais para o equilíbrio do organismo animal — e também humano — costuma ficar de fora da sala de aula: o sistema endocanabinoide.
Presente em todos os vertebrados, dos cães e gatos aos elefantes e aves, trata-se de uma rede de receptores e substâncias produzidas naturalmente pelo corpo, capaz de regular funções como dor, ansiedade, sono, apetite, inflamação e até a proliferação de células tumorais.
Quando ocorre uma deficiência nesse sistema, o organismo pode perder sua capacidade de autorregulação, resultando em desequilíbrios que afetam diretamente a saúde e o bem-estar. É nesse ponto que entram os fitocanabinoides — compostos presentes na planta Cannabis sativa, capazes de modular e restaurar a homeostase.
“Ao estimularmos o sistema endocanabinóide com os canabinoides presentes na planta, conseguimos restaurar funções essenciais e promover qualidade de vida aos pacientes”, explica a médica-veterinária Caroline Campagnone, pesquisadora e integrante do Grupo de Trabalho do CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) sobre cannabis medicinal.