Atuação recente da Anvisa indica uma leitura mais restritiva sobre determinadas estruturas comerciais
A medida cautelar imposta pela Anvisa em dezembro de 2025, que determinou a suspensão da comercialização e da propaganda de medicamentos das marcas Needs e Bwell, vinculadas ao grupo RD Saúde (Raia Drogasil), trouxe novamente à tona um debate regulatório relevante e ainda em consolidação: afinal, farmácias e drogarias podem utilizar submarcas em medicamentos?
À luz da regulação vigente, a resposta tende a ser positiva. Ainda assim, a atuação recente da agência indica uma leitura mais restritiva sobre determinadas estruturas comerciais, o que merece análise cuidadosa, especialmente sob a ótica da legalidade e da segurança jurídica.
O caso concreto: o que foi objeto da medida cautelar?
Por meio da Resolução RE nº 5.161, de 19 de dezembro de 2025, publicada em 23/12/25, a Anvisa determinou, em caráter cautelar e pelo prazo de 90 dias, a proibição da comercialização e da propaganda de medicamentos ofertados sob as marcas Needs e Bwell.
A fundamentação formal da medida não se concentrou no uso das marcas ou denominações comerciais em si, mas na suposta constatação de anúncio de venda de medicamentos por empresa que não possuiria Autorização de Funcionamento (AFE) para atuar como fabricante, em desacordo, especialmente, com a Lei nº 6.360/1976.
A leitura da resolução sugere, portanto, um possível enquadramento da farmácia ou drogaria como se fosse a responsável pela fabricação dos medicamentos; interpretação que, ao menos em uma análise inicial, não parece refletir de forma precisa a estrutura regulatória adotada nesses produtos.
Fabricante, detentor do registro e dispensador: distinções relevantes
Em manifestação pública, a RD Saúde esclareceu que não atua como indústria farmacêutica e que os medicamentos comercializados sob as marcas Needs e Bwell são produzidos por empresas devidamente licenciadas e autorizadas pela Anvisa, responsáveis pela fabricação e pela regularização sanitária dos produtos.
A informação é confirmada por consulta ao banco de dados da própria Anvisa. Medicamentos, como a Simeticona Needs, por exemplo, possuem registro válido, em nome de empresa farmacêutica regularmente autorizada, sendo a marca Needs utilizada como elemento distintivo da denominação comercial.
Trata-se, portanto, de um arranjo no qual se distinguem claramente: (i) o fabricante, responsável pela produção e pela conformidade técnica; (ii) o detentor do registro ou da notificação, responsável perante a Anvisa; e (iii) o dispensador, que comercializa o produto ao consumidor final.
Não se está diante, assim, de medicamentos fabricados por farmácias ou drogarias; hipótese esta que, de fato, é vedada pela legislação sanitária.
Marcas próprias e submarcas: o alcance da vedação regulatória
A discussão remete diretamente ao art. 8º da RDC nº 768/22, que regula a rotulagem de medicamentos:
“Art. 8º Não é admitida a inclusão em embalagens primárias, secundárias ou bulas de nome, marca, logomarca e identidade visual dos estabelecimentos que somente comercializam o medicamento, como as distribuidoras, e tampouco daqueles que somente dispensam medicamentos diretamente ao consumidor, como as farmácias e drogarias.”
O dispositivo veda de forma expressa o uso direto da marca do estabelecimento dispensador ou distribuidor. Isto é, modelo conhecido como marca própria, como “Paracetamol Drogaria X” ou “Ibuprofeno Farmácia Y”.
Por outro lado, a norma não proíbe que farmácias, drogarias ou distribuidoras sejam titulares de marcas ou submarcas utilizadas em medicamentos, desde que observados alguns pressupostos essenciais: (i) o medicamento deve ser fabricado por empresa regularmente autorizada; (ii) o produto deve estar devidamente registrado ou notificado na Anvisa; e (iii) a denominação não pode induzir o consumidor a erro, especialmente quanto à origem, fabricação ou responsabilidade técnica.
Nesse contexto, marcas como Needs e Bwell não se confundem de forma direta e ostensiva com as marcas “Drogasil” ou “Droga Raia”, ainda que integrem o mesmo grupo econômico. Trata-se de estrutura de submarcas, prática comum em outros setores regulados e que não encontra vedação expressa na legislação sanitária.
Vale notar que a distinção entre marca comercial, responsabilidade regulatória e fabricação não é uma particularidade do modelo brasileiro. No contexto norte-americano, por exemplo, é admitida a comercialização de medicamentos, inclusive de venda livre (OTC), sob marcas pertencentes a redes varejistas ou grupos de distribuição, desde que a fabricação seja realizada por indústria devidamente licenciada e que a rotulagem identifique de forma clara o fabricante responsável perante a autoridade sanitária. Nesse arranjo, o foco regulatório recai menos sobre a titularidade da marca e mais sobre a rastreabilidade, a responsabilidade técnica e a transparência ao consumidor, lógica que ajuda a compreender por que o uso de marcas comerciais ou submarcas, por si só, não é tratado como elemento de risco sanitário.
Medicamentos de baixo risco e coerência normativa
Outro aspecto relevante é que os produtos atingidos pela medida cautelar se enquadram, em sua maioria, como medicamentos de baixo risco, sujeitos ao regime de notificação, nos termos da RDC nº 576/2021.
Essa RDC estabelece que tais medicamentos devem observar as regras de rotulagem previstas na RDC nº 768/2022. Mais uma vez, o marco normativo veda o uso de marcas próprias, mas não afasta a possibilidade de utilização de submarcas, ainda que estas pertençam a grupos que atuem também na dispensação de medicamentos.
Até o momento, não houve questionamento formal da Anvisa quanto à denominação dos produtos sob a ótica da rotulagem. A medida cautelar foi fundamentada em aspectos relacionados à regularização sanitária, e não propriamente em infração às regras de naming ou rotulagem.
Proporcionalidade e interpretação regulatória
Diante desse cenário, a medida adotada suscita reflexões sobre proporcionalidade e interpretação das normas aplicáveis.
Considerando que os medicamentos: (i) são fabricados por empresas devidamente autorizadas; (ii) encontram-se regularmente registrados ou notificados; e (iii) não utilizam diretamente a marca da farmácia ou drogaria dispensadora; é possível questionar se, ao menos em um exame inicial, estariam presentes os pressupostos para a imposição de uma medida cautelar tão abrangente, como a suspensão total da comercialização e da propaganda.
O debate que se estabelece não é sobre a importância da fiscalização sanitária (que é indiscutível), mas sobre os limites da interpretação administrativa diante de um marco regulatório que, até aqui, não vedaria expressamente o uso de submarcas em medicamentos.
Considerações finais
O caso Needs e Bwell evidencia um ponto sensível da regulação sanitária brasileira: há uma proibição clara ao uso de marcas próprias de farmácias em medicamentos, mas não há vedação expressa ao uso de submarcas, desde que atendidos os requisitos de fabricação, regularização e rotulagem.
Tudo indica que a Anvisa não questionou a denominação dos produtos em si, mas adotou uma medida cautelar baseada em uma determinada leitura sobre a estrutura de responsabilidade regulatória envolvida.
O desfecho do processo administrativo será importante para esclarecer os contornos dessa interpretação. Até lá, o episódio reforça a relevância de que eventuais mudanças de entendimento regulatório sejam conduzidas com transparência, previsibilidade e, quando necessário, por meio de ajustes normativos formais





