Estudos mostram que, após interrupção do uso do medicamento que atua contra a obesidade, muita gente volta a engordar; nutricionista explica por que isso acontece e como evitar a recuperação dos quilos eliminados.
O Ozempic é um dos medicamentos mais vendidos nos últimos tempos. Ele foi aprovado para o tratamento de diabetes, mas é usado também no tratamento da obesidade porque seu princípio ativo, a semaglutida, pertence à classe dos agonistas do GLP-1, um hormônio relacionado com a saciedade. A indicação de uso da semaglutida é para quem tem IMC (índice de massa corporal) acima de 30 ou IMC acima de 27 – desde que, neste último caso, a pessoa possua ao menos uma comorbidade associada ao excesso de gordura corporal.
Vale destacar que a prescrição do Ozempic para obesidade é off label (para indicação diferente da bula) porque a semaglutida em apresentação para tratar o excesso de peso (batizada de Wegovy) ainda não está disponível no mercado brasileiro. Por isso os médicos usam o Ozempic, aprovado para o manejo do diabetes, também em pacientes obesos.
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Quando comparado aos medicamentos anteriores, o Ozempic realmente mostra resultados superiores. Em um estudo, 961 participantes receberam a semaglutida por 68 semanas e apresentaram uma perda média de 17% do peso corporal. Mas, antes de alçarmos esse medicamento ao posto de salvador da pátria, cabe trazer algumas ponderações. Nesse mesmo trabalho, quando pararam de usar a medicação, os voluntários foram acompanhados por mais 52 semanas – o intuito era avaliar os efeitos da suspensão. Sabe o que aconteceu? O reganho de peso foi imediato. Em média, os participantes recuperaram 67% do peso perdido.
Seria mais ou menos como se uma pessoa de 100 kg chegasse aos 83 kg com o medicamento e, ao parar, retornasse para 94 kg. E é importante notar que esse reganho não estabilizou. Ao final do estudo, ainda parecia existir um processo de recuperação do peso. Se o acompanhamento seguisse por mais algumas semanas, o que teria acontecido? Não dá para ter certeza, mas podemos considerar três alternativas: estabilizariam nesse ponto de reganho de 67%, continuariam ganhando peso até voltar perto ou ao ponto inicial, ou ganhariam até mais do que aquilo que foi eliminado.
Outro estudo, chamado STEP 1, nos dá mais um indício do que acontece quando se interrompe o medicamento. Nele, os pesquisadores seguiram por um caminho interessante: durante 20 semanas, mais de 800 participantes de 10 países diferentes receberam semaglutida. Após esse período, eles podiam entrar na fase com dose de manutenção ou ter sua medicação trocada por placebo, sem que eles ou os pesquisadores soubessem a qual grupo eles pertenciam (é o chamado estudo duplo-cego). Sendo assim, esses voluntários ainda recebiam as injeções, mas sem a substância ativa. Eles permaneceram nessa fase por mais 48 semanas.
Os indivíduos que seguiram com a medicação perderam, em média, 7,1 kg de peso corporal e 6,4 cm circunferência de cintura. Já os que tiveram a medicação trocada por placebo apresentaram um ganho médio de 6,1 kg de peso e 3,3 cm de cintura a mais que no início do estudo. Isso mesmo, eles pioraram!
Por que isso acontece?
Uma das teorias mais respeitadas atualmente para tentar entender o efeito rebote é chamada de fat overshoot – em português, seria algo como “ganho compensatório de gordura”. Essa teoria estipula que um dos principais fatores associados ao rebote do peso e gordura corporal está relacionada à perda de massa magra.
No estudo STEP 1, há uma tabela do material suplementar (bem escondida em outro documento) mostrando que, em média, 41% do peso perdido foi de massa magra – os pesquisadores curiosamente não comentam isso no artigo principal. Olha só: uma pessoa que perdeu 17 kg, eliminou 10 kg de gordura e 7 kg de massa magra.
É natural perder um pouco de massa magra no processo de emagrecimento. Os dados de dietas restritivas mostram que essa perda é de cerca de 25%. Há dados pós-cirurgia bariátrica – intervenção que leva à maior perda de peso do que dietas – que relatam uma eliminação de massa magra em torno de 20%. Não existe um percentual considerado normal, mas 40% é muito além do encontrado em outras intervenções e, na minha opinião, muito além do aceitável.
Além disso, reflita comigo: se a pessoa perde peso e, ao mesmo tempo, vai eliminando muita massa magra, consequentemente menos energia ela gasta – afinal, esse tipo de tecido ajuda exatamente nesse aspecto. Ou seja, para manter o emagrecimento, ela tem que comer cada vez menos. Conta bem difícil de fechar!
Após interrupção do uso do medicamento muita gente volta a engordar
Portanto, pessoas que fazem uso desse medicamento precisam ficar atentas ao que a perda de peso se refere: quanto de massa gorda e/ou massa magra está perdendo? A partir daí, readequar a medicação, a alimentação e os hábitos como um todo. Inclusive, é essencial salientar que os remédios, quando prescritos, são parte do tratamento – as mudanças de estilo de vida seguem fundamentais.
Outro ponto importante é que, infelizmente, o público que tem consumido esse medicamento vai muito além de pessoas com obesidade e/ou comorbidades. São pessoas eutróficas, ou seja, com o peso considerado adequado, e que buscam esse medicamento para perder alguns poucos quilos por objetivos meramente estéticos. Infelizmente, não temos ainda estudos científicos para saber os efeitos dos remédios nessa população. No entanto, estudos de restrição alimentar mostram que esse é um caminho errado a seguir.
O que acontecerá, de fato, com essas pessoas, apenas estudos futuros e a história contarão. Por enquanto, só peço muita cautela e, principalmente, boa orientação para cuidar dessa preciosidade que é a nossa massa magra.
*Desire Coelho é nutricionista e bacharel em esporte, doutora e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), especialista em Transtornos Alimentares e em Análise do Comportamento. É autora do livro “Por que não consigo emagrecer?” (Editora Fontanar) e coautora do livro “A Dieta Ideal” (Editora Paralela).