Especialistas alertam para os desafios da manutenção corporal após a interrupção do tratamento com o medicamento.
Entre as muitas metas estabelecidas pelas pessoas ao longo da vida, emagrecer e sair da obesidade costumam estar entre as mais importantes. Medicamentos como Ozempic e Wegovy se tornaram grandes aliados nesse processo, mas ainda assim, não fazem milagres: após o fim do tratamento, é comum que parte dos pacientes recupere o peso perdido.
Pesquisadores da Universidade de Pequim, na China, revisaram 11 estudos anteriores — que englobam um total de 2.466 pessoas — e descobriram que, ao encerrar o tratamento com os medicamentos, o peso dos pacientes tendia a retornar entre 8 e 20 semanas. Os resultados da pesquisa, publicados na revista científica BMC Medicine, mostram que os tratamentos para perda de peso com esses fármacos provocaram o famoso “efeito sanfona”.
O reganho de peso após a interrupção do tratamento é considerado uma resposta fisiológica, ou seja, natural do organismo. Quando a perda de peso é significativa, o corpo reage como se estivesse sob ameaça. Segundo Cynthia Valério, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), essa resposta tem raízes evolutivas.
— Aqueles que tinham maior chance de sobrevivência eram os que conseguiam estocar energia para enfrentar períodos de escassez. Quando há perda de peso e o tratamento é interrompido, o corpo ativa mecanismos de adaptação para recuperar os quilos perdidos — explica.
Efeito sanfona, ioiô, rebote… São muitas as nomenclaturas para descrever as grandes variações no peso corporal. A situação preocupa especialmente quem está em processo de emagrecimento — seja com o uso de medicamentos, prática de atividades físicas ou até por meio de procedimentos cirúrgicos, como a cirurgia bariátrica.
O padrão de recuperação do peso perdido já era observado com tratamentos anteriores, de acordo com Cynthia. No entanto, devido à potência dos novos medicamentos, esses resultados se tornam mais evidentes.
— A eficácia dos tratamentos mais recentes, que podem levar à perda de mais de 15% do peso corporal, similar à da cirurgia bariátrica, torna o reganho após a suspensão ainda mais evidente. Como essa retomada ocorre independentemente do tipo de tratamento, é essencial planejar a manutenção do peso a longo prazo — diz a endocrinologista.
Embora ainda não haja uma resposta definitiva sobre uma possível piora metabólica nos casos de variação frequente da massa corporal do que a obesidade contínua, a diretora da Abeso faz um alerta: flutuações muito grandes de peso podem aumentar o risco de problemas metabólicos no futuro.
— Essas oscilações podem comprometer a composição corporal, com perda tanto na qualidade quanto na quantidade de massa muscular. Além disso, existe a possibilidade de que, com o efeito rebote, o paciente atinja um peso ainda mais elevado do que o inicial. E, nesse cenário, sua condição clínica pode se agravar ainda mais — destaca.
Segundo a médica, é fundamental alertar os pacientes sobre os prejuízos a longo prazo causados pelas variações significativas de peso. Entre os riscos associados estão infartos, derrames e acidentes vasculares cerebrais (AVCs).
Com a popularização dos medicamentos antiobesidade, a preocupação com o reganho de peso ganhou destaque no Congresso Americano de Diabetes. Em um protocolo apresentado recentemente, uma nova combinação de fármacos propõe controlar o apetite ao mesmo tempo em que favorece o ganho de massa muscular. Segundo Walmir Coutinho, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), a proposta “promete ajudar bastante no controle integral da obesidade”.
A situação também preocupa as farmacêuticas, que investigam o que impulsiona essas taxas. Segundo Karin Conde-Knape, vice-presidente da Novo Nordisk, fabricante do Wegovy e Ozempic, a maioria dos pacientes recupera o peso perdido em até cinco anos após interromper o uso — metade em dois a três anos.
Em entrevista à CNBC, Conde-Knape explicou que a semaglutida não altera o ponto de ajuste do corpo, o que pode tornar a perda de peso temporária.
Desenvolver medicamentos com efeitos duradouros ainda é um desafio, diz Coutinho, já que os genes associados à obesidade continuam presentes nos pacientes. O especialista afirma que, atualmente, esses fármacos foram pensados para uso contínuo, ao longo da vida.
— Provavelmente, só com a terapia gênica teremos resultados permanentes. Hoje, apenas o uso contínuo de medicamentos garante efeito duradouro — esclarece. — Como em outras doenças crônicas, ao suspender o tratamento, a condição volta ao estágio anterior. A única capaz de controlar os mecanismos do reganho de peso é o Bimagrumab.
O composto citado pelo especialista é um anticorpo monoclonal que atua na redução da gordura corporal e contribui para o aumento da massa muscular. A nova molécula traz perspectivas promissoras no combate à obesidade.
Como reduzir os riscos
O processo de reganho de peso é individual e pode variar quanto à porcentagem. Cynthia Valério recomenda que o paciente monitore periodicamente, em intervalos regulares. Ela chama esse acompanhamento de “peso sentinela”.
— Quanto antes você detectar um reganho de 1, 2 ou 3 quilos, mais fácil será tomar alguma atitude para impedir que esse aumento se torne um problema — afirma.
Embora não exista garantia, há estratégias eficazes para reduzir os riscos do reganho de peso. A endocrinologista destaca uma tríade fundamental na prevenção: acompanhamento médico, planejamento estruturado da perda de peso — com medicação, alimentação balanceada e prática de exercícios — e, por fim, a manutenção do peso.
A especialista afirma que, para alguns pacientes, duas a três sessões semanais de musculação e uma ingestão adequada de proteínas já seriam suficientes. Em relação aos exercícios aeróbicos, com base em estudos, ela aponta a necessidade de pelo menos 300 minutos por semana, com intensidade moderada a intensa, dependendo da condição física.
Ainda segundo a diretora da Abeso, o estilo de vida adotado pelo paciente é um dos principais determinantes do sucesso na fase de manutenção. No entanto, fatores como variações hormonais, idade e gênero também influenciam.
— Muitos pacientes, nessa fase, precisarão continuar usando alguma dose de medicação. E isso não é nenhum demérito, faz parte do processo — esclarece. — É importante entender que nem todo mundo conseguirá sustentar o peso perdido, mesmo seguindo à risca as recomendações de alimentação e atividade física.