No Brasil, soros, vitaminas, hormônios mal testados, emagrecedores fakes e promessas milagrosas vendidas em consultórios de luxo crescem de forma perigosa.
Há quem diga que a medicina é vocação, sacerdócio, missão de vida. Há quem a trate como franquia comercial: cardápio pronto, protocolos mirabolantes e lucro recorde.
No Brasil, esse segundo grupo cresce como uma startup bilionária — só que em vez de tecnologia de ponta, o produto é uma mistura de soros, vitaminas, hormônios mal testados, emagrecedores fakes e promessas milagrosas vendidas em consultórios de luxo para um público previamente classificado como “highticket”.
O paciente entra acreditando estar comprando saúde e sai com a fatura do cartão estourada, o fígado doente e o coração ameaçado de morte. O preço final? De mil a três mil reais em soros desnecessários (preço de custo 30 reais) ou cinco a dez mil reais em implantes hormonais manipulados (preço de custo quinhentos reais). É a margem de lucro mais obscena já inventada. E tudo vendido como “bem-estar”, com marketing livre nas redes sociais de fabricantes, médicos e influenciadores. E o pior: órgãos regulatórios e de defesa não tomam atitudes concretas para acabar com esse cenário.
As evidências científicas? Não existem. Mas quem precisa delas quando se tem milhares de seguidores e um discurso convincente? É só prometer modular hormônios, repor substâncias desnecessárias e atravessar a ciência com canetas para emagrecer alternativas.
E há também a “hormonologia”, pseudociência que não se encontra em nenhum livro sério de endocrinologia, mas que prolifera em cursos de fim de semana (pasmem, com chancela do Ministério da Educação). Nessas aulas, aprende-se de tudo: como blindar juridicamente a má prática, como vender vitaminas, soros, implantes hormonais e emagrecedores manipulados, além de como monetizar tudo isso. O que não se aprende? Fisiologia básica, ética ou zelo para com o próximo.
As injeções antiobesidade manipuladas, um Frankenstein farmacológico, prometem os mesmos efeitos de medicamentos aprovados, mas com a confiabilidade de um DVD pirata. Não raro, o paciente, em busca de emagrecimento rápido, termina com complicações ou simplesmente sem resultado — mas sempre mais pobre.
É quase uma seita: gurus de jaleco prometendo saúde perfeita em troca de uma verdadeira assinatura mensal. O médico recém-formado, perdido entre residência mal paga e plantões exaustivos, pensa: “Por que não?”. A tentação é grande: em vez de anos de estudo, basta um fim de semana ouvindo como enriquecer com soros coloridos e hormônios milagrosos.
Enquanto isso, influencers sérios da Ciência tentam gritar na arena digital. Alertam, denunciam. E são processados pelos mercadores da ilusão, em um assédio jurídico inacreditável.
Mas, sem respaldo real de quem teria poder para resolver a questão da má prática médica e sanitária, a situação só piora. Sim, esse texto é uma (in) direta para a Anvisa, Ministério Público Federal, Procons, Conselhos Federais de Medicina e de Farmácia e ministérios da Saúde, da Justiça e da Educação.
No fim, resta a pergunta incômoda: vale a pena enriquecer assim, às custas da vulnerabilidade alheia? A resposta deveria ser óbvia, mas não é. O que vemos é a banalização do antiético, em um modelo de negócio que transforma a medicina em um palco de charlatanismo.
A medicina séria exige sacrifício, estudo e ética. Não tem lucros instantâneos. Mas tem vantagens que os mercadores da saúde jamais terão: ela funciona, protege, salva vidas e, ainda, traz muita satisfação, reconhecimento e consciência limpa.
*Clayton Macedo é coordenador do Núcleo de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).