A crescente busca por medicamentos inovadores e de alto custo, muitos deles sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), tem gerado um grande debate jurídico no Brasil. A judicialização de pedidos de fornecimento desses medicamentos por operadoras de planos de saúde coloca em lados opostos a segurança sanitária, controlada pela Anvisa, e o direito à saúde do paciente.
Quando não há alternativas terapêuticas eficazes no mercado nacional, pacientes com prescrição médica buscam a importação direta de remédios. O ponto de atrito surge quando eles tentam que as operadoras de saúde cubram o custo, que, por sua vez, negam o pedido com base na falta de previsão contratual, na ausência do medicamento no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ou na falta de registro na Anvisa.
A imposição judicial de tratamentos de alto custo fora do escopo contratual pode afetar o modelo de mutualismo, onde os riscos são compartilhados entre todos os usuários
A saúde suplementar no Brasil é regulada pela Lei 9.656/1998 e pela atuação da ANS, que estabelece o Rol de Procedimentos como uma lista de cobertura mínima obrigatória. No entanto, a grande questão é se as operadoras podem ser obrigadas a custear medicamentos importados e não registrados na Anvisa, mesmo que não estejam no rol.
Durante muito tempo, o Rol de Procedimentos da ANS foi considerado taxativo, ou seja, as operadoras não seriam obrigadas a cobrir nada que não estivesse na lista. Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) flexibilizou essa interpretação, admitindo exceções em casos específicos.
A Segunda Seção do STJ estabeleceu que o rol pode ser superado se houver recomendação médica, se não existir substituto terapêutico na lista da ANS, se o tratamento tiver comprovação de eficácia e se houver autorização da Anvisa para o uso no Brasil. Mesmo assim, o STJ reforçou a regra de que as operadoras não são obrigadas a fornecer medicamentos sem registro na Anvisa, conforme o Tema 990.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, abriu precedentes para a concessão judicial de medicamentos não registrados em casos de demora excessiva da Anvisa para avaliar o registro, desde que o medicamento tenha registro em agências reguladoras estrangeiras e não haja um substituto no Brasil. Embora essa decisão se aplique ao Estado, tribunais têm utilizado o mesmo raciocínio para a saúde suplementar, priorizando o direito à saúde e a função social do contrato.
O STJ também criou uma exceção própria ao determinar que, se a Anvisa autorizar a importação do medicamento para uso próprio, isso já é suficiente para obrigar a operadora a cobrir o custo. Esse entendimento cria uma nova camada de complexidade, pois a mera autorização para uso individual, que não é um registro sanitário, se torna um motivo para a obrigatoriedade de cobertura.
A discussão se complica ainda mais quando o medicamento importado é de uso domiciliar, pois a Lei 9.656/1998 prevê que as operadoras não são obrigadas a fornecer esse tipo de remédio, com exceção de antineoplásicos orais. A determinação judicial de cobertura nesses casos, ignorando a lei e até mesmo o entendimento do STJ, tem gerado preocupação no setor.
A falta de segurança jurídica em relação a esse tema coloca em risco a sustentabilidade financeira dos planos de saúde. A imposição judicial de tratamentos de alto custo fora do escopo contratual pode afetar o modelo de mutualismo, onde os riscos são compartilhados entre todos os usuários. Além disso, a judicialização pode: minar a autoridade da Anvisa, ao permitir o uso de medicamentos sem a devida avaliação nacional; criar insegurança jurídica para as operadoras, que enfrentam decisões judiciais imprevisíveis; gerar desigualdade, já que apenas pacientes com recursos para ir à Justiça conseguem acesso a esses tratamentos; causar um impacto financeiro que compromete a sustentabilidade de todo o sistema.
A questão da importação de medicamentos expõe um conflito entre o direito fundamental à saúde, a regulação da Anvisa e os limites contratuais das operadoras. É fundamental que as decisões judiciais ponderem esses fatores de forma equilibrada, para que a proteção à vida e à saúde seja conciliada com a racionalidade, a segurança sanitária e a viabilidade do sistema de saúde suplementar.
As operadoras, por sua vez, devem atuar de forma estratégica, demonstrando nas ações judiciais os riscos sistêmicos que o fornecimento indiscriminado de medicamentos importados representa. O desafio é criar um modelo jurídico onde todos os atores – operadoras, pacientes, reguladores e o Judiciário – compartilhem a responsabilidade, garantindo a preservação da vida com a observância dos contratos e das regras de segurança.
Ana Paula De Raeffray, professora dos cursos de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, diretora vice-presidente do Instituto Brasileiro de Previdência Complementar e Saúde Suplementar – IPCOM e sócia titular do Raeffray e Brugioni Advogados.
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