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Infertilidade passa a ser reconhecida como problema de saúde pública pela OMS

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Nova diretriz global amplia o debate sobre prevenção, diagnóstico e tratamento e reforça o direito de homens e mulheres ao acesso equitativo ao cuidado reprodutivo.

 

A infertilidade deixou de ser tratada apenas como uma questão individual ou privada para ganhar, oficialmente, o status de problema de saúde pública. Em um posicionamento histórico, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou sua primeira diretriz global dedicada à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento da infertilidade, reconhecendo que a condição afeta cerca de uma em cada seis pessoas em idade reprodutiva ao longo da vida e exige respostas estruturadas dos sistemas de saúde.

 

“Quando a OMS reconhece a infertilidade como um problema de saúde pública, ela tira esse tema do campo da culpa individual e do silêncio, e o coloca onde ele sempre deveria estar: dentro das políticas de saúde, com direito à prevenção, diagnóstico adequado e tratamento seguro”, afirma.

 

A diretriz surge em um cenário de crescente demanda por tratamentos reprodutivos, mas com acesso extremamente desigual. Em muitos países, os exames e procedimentos são custeados quase integralmente pelos pacientes, o que pode gerar endividamento severo. Segundo a OMS, há contextos em que um único ciclo de fertilização in vitro custa o equivalente a duas vezes a renda anual média de uma família.

 

“A infertilidade é um dos desafios de saúde pública mais negligenciados do nosso tempo e também uma questão de equidade”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, ao lançar o documento. Ele destacou que milhões de pessoas enfrentam o problema sozinhas, sem acesso a cuidados baseados em ciência e, muitas vezes, recorrendo a alternativas ineficazes ou inseguras.

 

 

O que é infertilidade e como ela deve ser investigada

De acordo com Natália Paes, a nova diretriz também ajuda a esclarecer conceitos e a organizar a abordagem médica. “A infertilidade é definida como a dificuldade de engravidar após um período de tentativas regulares, sem uso de métodos contraceptivos. Ela não é rara e não escolhe gênero”, explica.

 

Segundo a médica, as causas costumam se dividir de forma bastante equilibrada. “Cerca de um terço dos casos está relacionado ao fator feminino, outro terço ao fator masculino e o restante envolve uma combinação dos dois ou causas inexplicadas. Por isso, a OMS reforça algo essencial: a investigação precisa ser feita no casal, e não apenas na mulher.”

 

Nesse contexto, o documento enfatiza a importância da avaliação clínica masculina desde o início, incluindo o espermograma. “Durante muito tempo, o homem ficou fora dessa equação. As diretrizes deixam claro que isso precisa mudar”, diz Natália.

 

Prevenção começa antes do desejo de engravidar

Outro ponto central das recomendações é a prevenção. Para a OMS, cuidar da fertilidade começa muito antes da decisão de ter filhos. “Fatores como tabagismo, obesidade, sedentarismo, consumo excessivo de álcool, infecções sexualmente transmissíveis e exposição a toxinas ambientais impactam diretamente a fertilidade feminina e masculina”, explica a ginecologista.

 

Por isso, a entidade defende que orientações sobre saúde reprodutiva façam parte da atenção primária. “Educação, hábitos saudáveis e diagnóstico precoce podem reduzir riscos evitáveis e evitar que muitas pessoas só descubram um problema quando já enfrentam dificuldades para engravidar”, afirma Natália.

 

Tratamentos para infertilidade mais acessíveis e baseados em evidência

No campo do tratamento, a OMS propõe uma abordagem escalonada, priorizando intervenções custo-efetivas. Para casos de infertilidade sem causa aparente, por exemplo, a recomendação inicial é o manejo expectante, com orientação sobre o período fértil e estilo de vida. Se não houver sucesso, indica-se a inseminação intrauterina com estimulação leve, antes de recorrer à fertilização in vitro.

 

“A FIV continua sendo uma ferramenta fundamental, mas o documento orienta que ela seja usada de forma racional, priorizando a FIV convencional em vez da ICSI quando não há fator masculino grave”, explica Natália. “Isso reduz custos e riscos sem comprometer os resultados.”

 

As diretrizes também trazem recomendações específicas para condições como doença tubária, varicocele e alterações uterinas, sempre com foco na segurança, na efetividade e na personalização do cuidado.

 

Fertilidade como direito e não privilégio

Para a ginecologista, talvez o aspecto mais transformador do documento seja o reconhecimento da infertilidade como uma condição médica legítima. “A OMS deixa claro que infertilidade não é falha pessoal, nem escolha mal feita. É uma condição de saúde que merece cuidado, acolhimento e políticas públicas”, afirma.

 

A entidade recomenda que os países adaptem as diretrizes à sua realidade, integrem a atenção à fertilidade aos sistemas nacionais de saúde e criem mecanismos de financiamento que evitem custos catastróficos para as famílias. “Isso significa ampliar o acesso, reduzir desigualdades e permitir que mais pessoas possam exercer o direito de formar uma família”, conclui Natália Paes.

 

Ao trazer a infertilidade para o centro das discussões globais em saúde, a OMS inaugura uma nova fase no cuidado reprodutivo, mais inclusiva, menos estigmatizante e alinhada à ciência. Para milhões de pessoas ao redor do mundo, esse reconhecimento pode significar não apenas esperança, mas também dignidade e acesso real ao cuidado que sempre foi necessário.

 

Fonte: Revista crescer
Foto: Reprodução