2021-09-14 11:09:03
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regula o mercado de produtos de higiene pessoal, perfumes e cosméticos (HPC). Ela dividiu essa categoria em dois grupos – grau 1 e grau 2 –, conforme o risco que podem provocar à saúde. Leia neste artigo como devem ser os procedimentos para regularização desses produtos no órgão.
O mercado de HPC é muito forte no Brasil. Segundo o instituto de pesquisa de mercado Euromonitor International, o País ocupa a quarta posição mundial no mercado de beleza e cuidados pessoais. O setor movimenta US$ 30 bilhões (R$ 155,7 bilhões) por ano no País. Na nossa frente estão Estados Unidos (89,5 milhões / R$ 464,5 bilhões), China (US$ 62 bilhões / R$ 321,8 bilhões) e Japão (US$ 37,5 bilhões / R$ 194,6 bilhões). Em fragrâncias, os brasileiros estão em segundo lugar, atrás apenas dos norte-americanos.
Desde os anos 1970 esses produtos estão sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por legislação própria. A Lei 5991/73 dispunha sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos (onde se enquadravam os HPCs). Três anos depois, a categoria ganhou mais espaço com a Lei 6360/76, obtendo diretrizes específicas.
Em 1999, com a criação da Anvisa e a definição do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, passou a ser atribuição da Agência regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde pública. Entre eles, estão os itens de higiene pessoal, perfumes e cosméticos.
De acordo com a RDC 07/15, são definidos como HPCs as preparações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência ou corrigir odores corporais, protegê-los ou mantê-los em bom estado.
A Anvisa classifica os HPCs em dois grandes grupos, cujo critério leva em conta os potenciais riscos à saúde no uso dos produtos. No primeiro deles – classe de risco grau 1 – estão os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes que se caracterizam por possuírem propriedades básicas ou elementares, cuja comprovação não seja inicialmente necessária e não requeiram informações detalhadas quanto ao seu modo de usar e suas restrições de uso, devido às características intrínsecas do produto.
Fazem parte dessa categoria: água de colônia, água perfumada, perfume, aromatizante bucal, condicionador, esmalte, lenço umedecido (se não for antisséptico), batom labial, creme hidratante, desodorante, sais de banho, creme de barbear, entre outros.
Os produtos de grau 1 são isentos de registro, sendo que sua comercialização poderá ocorrer após comunicação prévia ao órgão regulador. Já os produtos classificados como grau 2 estão sujeitos ao registro na Anvisa e sua comercialização somente poderá ocorrer a partir da concessão do registro publicado em Diário Oficial da União (DOU).
A classe de risco grau 2 compreende HPCs que possuem indicações específicas, cujas características exigem comprovação de segurança ou eficácia, bem como informações e cuidados, modo e restrições de uso. Fazem parte desta categoria: bronzeador, protetor solar, protetor solar infantil, gel antisséptico para as mãos, produto para alisar os cabelos, produto para alisar e tingir os cabelos, repelente de insetos e repelente de insetos infantil. Eles estão discriminados no anexo VIII da RDC 07/15 (atualizada pelas RDCs 237/18 e 409/20).
Segundo a advogada especialista em regulação e qualidade na indústria farmacêutica Priscila Menino, que também é professora da pós-graduação em Regulação e Vigilância Sanitária de Cosméticos e Dermocosméticos no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, cosméticos e afins são uma categoria muito ampla de produtos, possuindo regras específicas para algumas subcategorias.
De acordo com a professora, a Anvisa optou por definir as classificações de risco baseando-se na probabilidade de ocorrência de efeitos não desejados devido ao uso inadequado do produto, sua formulação, finalidade de uso, áreas do corpo a que se destinam e cuidados a serem observados quando de sua utilização.
A farmacêutica industrial e professora da pós-graduação de Gestão da Qualidade e Auditoria em Processos Industriais do ICTQ, Luciana Colli, acrescenta que o processo de registro na Anvisa funciona de forma a avaliar não apenas a segurança, mas também a eficácia e a qualidade dos cosméticos.
“Por isso a legislação os classifica em grau 1 e 2, sendo que os produtos de grau 2 são àqueles com atributos de melhorias ou entrega de resultado. Por exemplo: creme anti-rugas, pasta de dente clareadora. Assim, sempre que o produto indicar um efeito, este precisa ser avaliado e comprovado”, frisa Luciana.
Processo de registro
Segundo os critérios da Anvisa, para registrar um cosmético, antes de tudo, a empresa precisa procurar a vigilância sanitária local (estadual ou municipal) para obter a Licença de Funcionamento, também conhecida como Alvará de Funcionamento. Depois, deve acionar o órgão regulador e seguir alguns passos.
O primeiro deles é o cadastramento de empresa, para se ter acesso aos sistemas da Anvisa. Em seguida, se necessário, as empresas devem pedir a alteração de porte, que irá determinar o valor das taxas a serem pagas pelo interessado. Por fim, para fabricar ou importar cosméticos, será necessário ter a Autorização de Funcionamento de Empresas (AFE).
Priscila lembra que a Anvisa não distingue a produção de cosmético artesanal, daquela de linha de produção em grande escala, todas devem observar os requisitos legais. Não é necessário também ter Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF), mas elas devem ser observadas pela empresa fabricante”, salienta a professora.
Já para solicitar o registro, o primeiro passo é fazer o pedido pelo sistema ‘Solicita’, da Anvisa. Os documentos necessários também são enviados diretamente pelo sistema. Ao final do processo de peticionamento será gerada a Guia de Recolhimento da União (GRU) para o pagamento da Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS) relacionada ao assunto escolhido. É possível acompanhar o andamento do pedido pelo próprio Solicita ou pelo Portal de Consultas, no site da Agência.
Segundo a Anvisa, a publicação do registro é feita no DOU e é suficiente para comprovar a autorização dada pelo órgão regulador. Após a publicação, o produto está autorizado a ser comercializado em todo o País. A Agência ressalta que o produto deve, obrigatoriamente, corresponder ao que foi avaliado e autorizado por ela, conforme o processo de registro protocolado, não sendo permitida qualquer alteração sem sua prévia autorização. O registro é válido por dez anos, a contar da publicação no DOU. Caso haja interesse da empresa, o registro pode ser renovado.
A RDC 0715 traz também preceitos gerais sobre rotulagem. Segundo a norma, os rótulos dos produtos devem ter suas advertências específicas, devendo constar os lotes e validade no layout, assim como o país de origem, ainda que for de produção brasileira. “É importante atentar que a Anvisa não pode mais aprovar rótulos com correções”, lembra Priscila.
No processo de registro de um HPC, o farmacêutico industrial tem papel fundamental, como destaca a professora Luciana. “É ele que vai conduzir as medidas antecedentes, como providenciar as licenças sanitárias da empresa, avaliar a eficácia do cosmético e ajustar os documentos do dossiê para o posterior peticionamento”.
Ela lembra ainda que o profissional precisa estar alerta para não incorrer em equívocos que possam atrapalhar o processo de registro no órgão regulador. “São várias listas de ingredientes permitidos e proibidos, é preciso ficar atento. Outro ponto é a fórmula ‘quanti e quali’, além dos métodos de controle de qualidade e o estudo de estabilidade”.
Produtos exigem atenção especial
Os produtos classificados como de grau 2 pela Anvisa exigem procedimentos específicos para o registro na Anvisa. No caso dos dermocosméticos (que agem nas camadas mais profundas da pele), por exemplo, é necessário ter estudos de estabilidade para sua aprovação.
Priscila lembra que são os estudos de estabilidade que irão garantir a eficácia, segurança e qualidade de um dermocosmético. São esses estudos que também irão indicar o prazo de validade, ou seja, o tempo que o produto se mantém estável.
Dentro do estudo de estabilidade há três divisões:
- Estabilidade preliminar – realização de testes na fase inicial de desenvolvimento de produto utilizando-se de diferentes formulações de laboratório e com duração reduzida. Emprega condições extremas de temperatura com o objetivo de acelerar possíveis reações dos componentes e o surgimento de sinais que devem ser observados e analisados conforme as características específicas de cada produto. Este estudo não tem a finalidade de estimar a vida útil do produto, mas de auxiliar a triagem da formulação. Ou seja, para verificar se, ao ser submetido a estresse, o produto se manteve estável;
- Estabilidade acelerada – tem o objetivo de fornecer dados para prever a estabilidade do produto, tempo de vida útil e compatibilidade da formulação com o material de acondicionamento. Ou seja, vai verificar se tem interação entre o produto e o frasco, determinar o prazo de validade e como a formulação se comportou, se se manteve estável ou se degradou. Pode ser usado para propor prazo de validade para o produto;
- Tempo de prateleira – estudo realizado dentro do período de validade estimado nos estudos de estabilidade. É utilizado para avaliar o produto em condições normais de armazenamento.