2021-11-01 11:24:48
O câncer de mama é o mais incidente em mulheres no mundo, com aproximadamente 2,3 milhões de casos estimados em 2020, o que representa 24,5% dos casos novos por câncer nesse contingente.
No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima que ocorrerão 66.280 casos novos da doença neste ano, o que equivale a uma taxa de incidência de 43,74 casos por 100 mil mulheres. Esse é o tipo de câncer mais incidente no público feminino no País, após o câncer de pele não melanoma.
De 2018 a 2020, o número de casos de câncer de mama avançou – de 29,5% para 29,7% entre as mulheres que tinham algum tipo de doença oncológica. Segundo o Inca, na mortalidade proporcional por câncer em mulheres, em 2019, os óbitos por câncer de mama ocupam o primeiro lugar no País, representando 16,1% do total. A taxa de mortalidade por câncer de mama, ajustada pela população mundial, nesse mesmo ano, foi 14,23 óbitos/100 mil mulheres.
Segundo o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Hospitalar e Acompanhamento Oncológico no ICTQ – Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico, Kaléu Mormino Otoni, “ser mulher é o principal fator de risco para o desenvolvimento de câncer de mama”. Contudo, ele lembra que há ocorrências de câncer de mama em homens, mas as mulheres representam mais de 90% dos casos.
Em relação ao número de mortes, dados de 2017 do Inca demonstram que enquanto 16.724 mulheres perderam a vida devido ao câncer de mama, 203 homens morreram pela doença naquele ano.
Conforme o Inca, o câncer de mama é um grupo heterogêneo de doenças, com comportamentos distintos. A heterogeneidade deste câncer pode ser observada pelas variadas manifestações clínicas e morfológicas, diferentes assinaturas genéticas e consequentes diferenças nas respostas terapêuticas.
“O câncer de mama é um crescimento descontrolado de células (dos lobos, das produtoras de leite ou dos ductos, por onde é drenado o leite), que adquirem características anormais, causadas por uma ou mais mutações no seu material genético”, explica o professor do ICTQ.
“Quando ocorrem mutações no material genético ou mais células, estas podem adquirir a capacidade não só de se dividir de maneira descontrolada, mas também de evitar a morte celular que seria normal no ciclo de vida de qualquer célula do organismo e de invadir tecidos próximos. São estas células que dão origem ao câncer”, revela Otoni.
O espectro de anormalidades proliferativas nos lóbulos e ductos da mama inclui hiperplasia, hiperplasia atípica, carcinoma in situ e carcinoma invasivo. Dentre esses últimos, o carcinoma ductal infiltrante é o tipo histológico mais comum e compreende entre 80% e 90% do total de casos.
Segundo o Inca, o sintoma mais comum de câncer de mama é o aparecimento de nódulo, geralmente indolor, duro e irregular, mas há tumores que são de consistência branda, globosos e bem definidos. Outros sinais de câncer de mama são edema cutâneo –vermelhidão da pele habitualmente com aparência de casca de laranja por dilatação dos poros (sinal chamado de peau d’orange) –, retração cutânea, dor, inversão do mamilo, hiperemia, descamação ou ulceração do mamilo e secreção papilar, especialmente quando é unilateral e espontânea. A secreção associada ao câncer geralmente é transparente, podendo ser rosada ou avermelhada devido à presença de glóbulos vermelhos. Podem também surgir linfonodos palpáveis na axila.
Fatores de risco
Não há uma causa única para o aparecimento do câncer de mama. Conforme o Inca, diversos fatores estão relacionados ao aumento do risco de desenvolver a doença – idade, fatores endócrinos/história reprodutiva, fatores comportamentais/ambientais e fatores genéticos/hereditários.
Mulheres mais velhas, sobretudo a partir dos 50 anos de idade, têm maior risco de desenvolver câncer de mama. O acúmulo de exposições ao longo da vida e as próprias alterações biológicas com o envelhecimento aumentam, de modo geral, esse risco.
“A faixa que tem maior incidência de câncer de mama é a das mulheres com mais de 70 anos. Já as mulheres entre 50 e 69 anos estão na faixa intermediária. A maioria dos cânceres de mama é diagnosticada em mulheres acima dos 55 anos. Em termos de prevenção, é preciso agir a partir dos 45 a 50 anos, com a realização de exames e consultas”, recomenda Otoni.
O professor do ICTQ ressalva que apesar da prevalência dos casos ocorrer em mulheres mais velhas, estudos indicam haver um aumento do número de mulheres jovens acometidas com o câncer de mama. “A causa disso tem a ver com hábitos de vida, principalmente alimentação, que envolve embutidos, churrascos e outros alimentos que compõem uma dieta inflamatória”.
Entre os fatores de risco ambientais e comportamentais para o câncer de mama, obesidade e sobrepeso após a menopausa, sedentarismo e inatividade física, consumo de bebida alcoólica (especialmente destilados) e exposição frequente a radiações ionizantes (raio-x) são os principais.
“Estar acima do peso ou obesa após a menopausa aumenta o risco de câncer de mama, porém o risco parece ser maior em mulheres que ganharam peso na idade adulta e não para aquelas que sempre estiveram acima do peso desde a infância. Crescem as evidências também de que a atividade física na forma de exercício reduz o risco de câncer de mama”, salienta Otoni.
No que se refere a fatores da história reprodutiva e hormonal da mulher, os riscos maiores estão para quem teve a primeira menstruação antes dos 12 anos (quanto maior os ciclos menstruais, maior a incidência de câncer de mama), não teve filhos ou a primeira gravidez ocorreu após os 30 anos, parou de menstruar (menopausa) após os 55 anos, utilizou contraceptivos hormonais (estrogênio, progesterona) e para quem fez reposição hormonal pós-menopausa, principalmente por mais de cinco anos.
Aqui cabe uma boa notícia para as mães que amamentam, destaca o professor do ICTQ. “Alguns estudos sugerem que a amamentação pode diminuir o risco de câncer de mama, principalmente se for continuada por um a dois anos”.
Fatores hereditários (principalmente parentes de primeiro grau – mãe, irmã ou filha – que tiveram a doença) e genéticos também influenciam nos casos da doença – histórico familiar de câncer de ovário, casos de câncer de mama na família, principalmente antes dos 50 anos, histórico familiar de câncer de mama em homens. Contudo, o câncer de mama de caráter hereditário corresponde a apenas 5% a 10% do total de casos, conforme o Inca.
Também o histórico pessoal é um fator de risco importante. “Uma mulher com câncer de mama tem o risco de desenvolver um novo câncer de mama. Isso é diferente de uma recidiva, que exige outro tipo de tratamento. É um outro câncer que pode ter sofrido mutações com o tratamento efetuado para o primeiro câncer. Este risco é maior para mulheres mais jovens”, diz Otoni, lembrando que o câncer de mama inicial muito inflamatório também favorece o aparecimento de um novo câncer de mama. Neste outro câncer será feita uma nova abordagem no tratamento. Segundo professor, geralmente há resistências às drogas utilizadas no primeiro câncer.
As mulheres que fizeram radioterapia na região do tórax para outro tipo de câncer (como Linfoma de Hodgkin ou Linfoma não Hodgkin) têm um risco significativamente aumentado de câncer de mama. As grávidas que receberam dietilestilbestrol (DES), estrógeno não esteroide, têm um risco ligeiramente maior de desenvolver câncer de mama.
Já os fatores genéticos estão relacionados à presença de mutações gênicas em determinados genes. Segundo o Inca, essas mutações são mais comumente encontradas nos genes BRCA1 e BRCA2, mas também são frequentes em outros genes como: PALB2, CHEK2, BARD1, ATM, RAD51C, RAD51D e TP53.
“Em algumas famílias com mutações BRCA1, o risco de câncer de mama ao longo da vida chega a 80%. Mas, em média, esse risco parece estar na faixa de 55% a 65%. Para as mutações BRCA2, o risco é menor, cerca de 45%”, destaca Otoni, citando um caso concreto.
“Exemplo de um risco genético elevado é o da atriz Angelina Jolie, que optou por retirar as mamas e colocar próteses profilaticamente. Ela tinha alteração do gene BRCA1 juntamente com outros fatores que aumentava o risco para até 90% de chance de desenvolver câncer de mama. Há controvérsias sobre a adoção desse procedimento, mas é uma forma de abordar a questão”.
Mulheres com mamas densas têm um risco de 1,2 a 2 vezes maior de desenvolver câncer de mama em relação àquelas com densidade média de mama. Também as mulheres diagnosticadas com determinadas condições benignas da mama podem ter um risco aumentado para o câncer. Em termos de raça e etnia, as mulheres brancas são ligeiramente mais propensas a desenvolver câncer de mama do que as negras. No entanto, em mulheres com menos de 45 anos, o câncer de mama é mais comum em mulheres negras.
Outro fator de risco envolve a exposição a determinadas substâncias e ambientes, como agrotóxicos, benzeno, campos eletromagnéticos de baixa frequência, campos magnéticos, compostos orgânicos voláteis – componentes químicos presentes em diversos tipos de materiais sintéticos ou naturais, caracterizados por sua alta pressão de vapor sob condições normais –, fazendo com que se transformem em gás ao entrar em contato com a atmosfera, hormônios e dioxinas – compostos químicos que são poluentes orgânicos persistentes no meio ambiente e que demoram muitos anos para serem eliminados, oriundos de subprodutos de processos industriais e de combustão.
Segundo o Inca, profissionais que apresentam risco aumentado de desenvolvimento da doença são os cabeleireiros, operadores de rádio e telefone, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, comissários de bordo e trabalhadores noturnos. As atividades econômicas que mais se relacionam ao desenvolvimento da doença são as da indústria da borracha e plástico, química e refinaria de petróleo.
Alguns fatores de risco para o câncer de mama estão com os estudos em andamento e ainda não se têm em mãos resultados conclusivos. Contudo, devem ser observados preventivamente. Entre eles, está a dieta e o consumo de vitaminas e o tabagismo. Não há evidências concretas ainda da sua influência em novos casos de câncer de mama.
Outras pesquisas sugerem que as mulheres que trabalham à noite podem ter um risco aumentado de desenvolver câncer de mama. Segundo o professor do ICTQ, essa é uma descoberta relativamente recente e mais estudos são necessários para comprovar essa questão. “Alguns pesquisadores acreditam que o efeito pode ser devido a mudanças nos níveis de melatonina, hormônio cuja produção é afetada pela exposição do corpo à luz, mas outros hormônios também estão sendo estudados”.
O uso de desodorantes também tem sido apontado como possível fator de risco para câncer de mama, pois se acredita que as substâncias químicas utilizadas nesses produtos interferem na circulação da linfa, provocando toxinas que se acumulam na mama e eventualmente podem provocar a doença. Segundo Otoni, por enquanto, há poucas evidências de que isso possa de fato ocorrer. Na mesma linha, rumores na internet indicam que o uso de sutiãs apertados pode favorecer o aparecimento da doença.
Exames e tratamentos
Os principais exames utilizados para detecção do câncer de mama são a ultrassonografia, mamografia, ressonância e a biópsia. A partir do resultado dos exames e da consulta médica se define o estadiamento, ou seja, o grau que a doença está. “Esse estadiamento não é fixo. É o retrato da doença no momento. É importante saber isso porque com essa informação pode-se fazer o tratamento adequado para aquele estágio da doença e obter o prognóstico correto”, destaca Otoni.
Tradicionalmente, o tratamento do câncer de mama se baseava em três tipos de tratamentos: cirúrgico, quimioterápico e radioterápico. Mais recentemente surgiu o quarto tratamento, a imunoterapia.
Na cirurgia, há cinco tipos utilizados para o câncer de mama. O primeiro deles é a tumorectomia, que é a remoção apenas do tumor. Na quadrantectomia, é retirado o tumor, parte do tecido normal que o envolve e o tecido que recobre o peito abaixo do tumor. Já na mastectomia simples ou total, remove-se a mama e, às vezes, os gânglios linfáticos próximos. Na mastectomia radical modificada, é retirada a mama, os linfonodos auxiliares e o tecido que reveste os músculos peitorais. Por fim, na mastectomia radical, retira-se a mama, músculos do peito, linfonodos auxiliares, gordura em excesso e pele.
A quimioterapia é o tipo de tratamento que combate o câncer por meio de drogas que inibem a multiplicação celular, característica principal das neoplasias. Esse mecanismo de ação acaba afetando também células saudáveis que se reproduzem rapidamente, como as responsáveis pelo crescimento do cabelo, as de defesa do organismo e as que compõem o trato digestivo, desencadeando reações adversas importantes.
Muitos leigos podem questionar por que o paciente não morre quando recebe a quimioterapia. “Ele não morre por conta dos protocolos quimioterápicos, que são esquemas terapêuticos pré-estabelecidos para cada tipo de câncer. Cada protocolo diz quais drogas serão utilizadas, frequência de administração, doses e o período que o tratamento irá levar com o máximo de eficácia e mínimo de prejuízo”, explica Otoni.
O professor lembra que esses protocolos visam questões de segurança e de alcance terapêutico personalizado a cada paciente. “Não adianta memorizar drogas ou doses, é preciso entender o contexto e a complexidade do paciente oncológico. Existem colegas na prática clínica, principalmente no início, que são muito atrelados a drogas e doses. É preciso compreender que o paciente é um todo”.
A radioterapia é uma opção de tratamento em mulheres com indicação específica que atendam aos critérios como: após cirurgia conservadora da mama, para diminuir a chance da recidiva na mama ou nos linfonodos próximos; após uma mastectomia especialmente se o tumor tiver mais de cinco centímetros de diâmetro ou se estiver presente nos linfonodos; e se o tumor estiver disseminado para outros órgãos, como ossos ou cérebro.
Existem modalidades de radioterapia – externa (convencional) ou a braquiterapia (técnica em que o material radioativo é inserido no tecido mamário). “Todas as modalidades de radioterapia apresentam reações adversas, como inchaço, alteração na pele, fragilidade dos ossos das costelas, aumento do risco de angiossarcomas etc. A radioterapia tem como objetivo aumentar a chances de cura e diminuir a chance de recidiva do tumor”, ressalta o professor do ICTQ Claudinei Santana.
O tratamento do câncer de mama apresenta variadas opções farmacológicas, entre elas a hormonioterapia e, desde o final da década de 1990, o benefício das terapias-alvo, como anticorpos monoclonais e inibidores da tirosina quinase. “No tratamento em que são utilizados fármacos, o farmacêutico clínico atua fortemente na monitorização da resposta ao tratamento, reações adversas e interações medicamentosas”, diz Santana.
Já a imunoterapia é um tipo de terapia sistêmica que usa medicamentos que estimulam o sistema imunológico a destruir as células cancerígenas de forma eficaz. Segundo o site Oncoguia, uma parte importante do sistema imunológico consiste de sua capacidade de atacar células normais e anormais do corpo. Para fazer isso, ele usa pontos de verificação – proteínas nas células imunológicas que precisam ser ativadas (ou desativadas) para iniciar uma resposta imunológica. Às vezes, as células cancerígenas no câncer de mama usam esses pontos de controle para evitar o ataque do sistema imunológico. Os medicamentos imunoterápicos que têm como alvo esses pontos de controle restauram a resposta imunológica contra as células do câncer de mama.
Para todos esses tratamentos, o farmacêutico clínico é muito importante, tanto nos pacientes que estão na vigência do tratamento intensivo, como naqueles que estão recebendo tratamento de manutenção até o momento da alta oncológica. Também os demais profissionais de Farmácia podem contribuir, como destaca o farmacêutico e professor da pós-graduação em Farmácia Clínica e Prescrição Farmacêutica no ICTQ, Rafael Poloni.
“O farmacêutico pode prestar cuidados essenciais aos portadores de câncer de mama e colaborar com a prevenção desse mal. O mês de outubro, da famosa campanha outubro rosa, é caracterizado por atenção especial à informação, diagnóstico, prevenção, tratamento e redução das mortes pelo câncer de mama, que é o tipo de câncer que mais atinge mulheres no Brasil”, frisa.
“Além disso, o farmacêutico deve auxiliar o paciente com o uso racional de medicamentos para o câncer de mama. É importante orientá-lo sobre os efeitos adversos mais comuns e como manuseá-los, para que o paciente não abandone o tratamento medicamentoso e nem o faça incorretamente. Por exemplo, é importante alertar às pacientes de trastuzumabe do risco de ter dores, fraqueza, febre, náusea, tosse, diarreia, vômito, entre outros efeitos, ao passo que o pertuzumabe pode acarretar queda de cabelo, diarreia, náusea, neutropenia, fadiga, rash cutâneo”, completa Poloni.
Tendo em vista o aumento dos tratamentos orais para os diversos tipos de cânceres, incluindo para o câncer de mama, é fundamental a atuação do farmacêutico no que diz respeito à atenção farmacêutica, pois a adesão ao tratamento poderá ser calculada e dessa forma realizar uma monitorização paciente versus tratamento, a fim de que se possa alcançar uma melhor resposta quanto ao tratamento da doença, sem esquecer da identificação prévia dos eventos com possibilidade de melhor manejo.