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Entenda por que a produção de medicamentos contra os vírus exige mais do que a contra as bactérias

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2020-04-14 11:41:37

 

Reportagem do ‘Fantástico’ ouviu especialistas e fala sobre a diferença de estrutura entre os micro-organismos e a necessidade de testes.

 

Os vírus e as bactérias são micro-organismos diferentes e, por isso, exigem produções específicas de medicamentos. Neste domingo (12), o “Fantástico” esclareceu a diferença entre eles e quais são os desafios para tratar o coronavírus Sars-Cov-2 com segurança.

1. Qual é a diferença entre os vírus e as bactérias?

O infectologista Marcos Boulos, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), diz que há uma diferença principal entre os vírus e todos os outros micro-organismos, incluindo as bactérias.

“Os micro-organismos que não são vírus são seres completos. Eles têm parede, têm membrana”.

As bactérias causam doenças como tuberculose, cólera, sífilis, tétano e são unicelulares – têm uma única célula, mas com todas as estruturas que fazem uma célula funcionar.

Os vírus, no entanto, são mais primitivos e não possuem essas estruturas. Para se multiplicar eles precisam invadir outras células, uma forma de usar outros organismos para garantir a sobrevivência.

2. Por que não é simples criar um remédio para todos os vírus, como alguns antibióticos são usados para vários tipos de bactérias?

Como as bactérias têm essas estruturas celulares, os antibióticos podem escolher uma delas como alvo.

“Se você conseguir metabolizar um medicamento que atue na parede [da bactéria], você destrói ela. Que atue dentro do parasita ou bactéria, como é o caso dos antibióticos, você destrói”, explica Boulos.

Como os vírus precisam de outras células, como as dos seres humanos, fica mais difícil de criar um remédio que consiga separar o vírus da célula que ele invadiu.

“Ele necessita entrar na célula para ter vida. Ou seja, quando nós usamos um medicamento no vírus, se está matando a célula, então quase sempre o medicamento tem uma dificuldade enorme porque ao matar a célula, é tóxico para o humano também. É muito difícil você fazer testes com medicamentos com vírus porque você não consegue isolá-lo porque ele está dentro de uma célula, e essa interação precisa ser muito bem avaliada, estudada”, completou o infectologista da USP.

3. Como criar então um remédio contra os vírus como o coronavírus?

Uma das formas de encurtar o caminho com segurança é testar alguns dos milhares de remédios que já existem, mas que foram desenvolvidos para outras doenças.

“Tem um monte de remédios que estão sendo usados. E por analogia, por teste de laboratório, a gente sabe ‘ah, esse remédio pode ser que funcione contra essa doença’. Então, é um redirecionamento de drogas, e é isso que todo mundo está tentando fazer. E tem vários [remédios] candidatos, não é um candidato, são um monte de candidatos”, disse o imunologista José Barbuto, professor da USP.

Barbuto pede, no entanto, cuidado ao receitar um remédio que é promissor apenas em laboratório. A segurança no tratamento é um importante passo para a criação ou nova aplicação de um medicamento.

“Qualquer tradução de uma pesquisa básica no laboratório para a clínica é um caminho longo. Não tem jeito de encurtar. Eu não posso fazer um curto-circuito e falar ‘olha, eu tratei a célula em um tubo de ensaio e curei o câncer, então vou dar isso aqui pro paciente e curar o câncer’. Não funciona assim”, disse o imunologista.

4. Quantos testes precisam ser feitos para um remédio ser confiável contra uma doença?

Os experimentos começam em laboratório, depois em animais e, finalmente, em seres humanos – primeiro em grupos menores e, em sequência, se der tudo certo, em grupos maiores. No meio deste caminho, vários remédios promissores acabam se mostrando ineficientes contra determinadas doenças. Não deverá ser diferente com o coronavírus Sars CoV-2.

5. Quais são os medicamentos mais promissores em teste contra o coronavírus?

O “Fantástico” entrevistou o químico Derek Lowe, especialista no desenvolvimento de novos medicamentos e PhD pela Universidade Duke, nos Estados Unidos. O americano acompanha as novidades na produção e pesquisa de remédios e publica um blog consultado por cientistas. Ele diz que ainda não viu “nada de sensacional” contra o coronavírus Sars CoV-2.

“Não há nada de sensacional, mas há alguns [remédios] que parecem que podem ser úteis. Algumas pessoas, muitas pessoas, ouviram falar do redemsivir, que é um antiviral da Gilead aqui nos Estados Unidos que foi desenvolvido contra o Ebola”, disse.

“Há outro chamado de favipiravir, um antiviral de amplo espectro. Tem um medicamento para asma chamado alvesco e, ele, por algum motivo, funcionou em ensaios antivirais, e mais testes mostraram que realmente afeta uma das proteínas do vírus, por pura sorte”.

“Provavelmente nenhuma dessas drogas existentes será uma cura maravilhosa, já que não foram projetadas para o coronavírus. Mas, se elas conseguirem diminuir a velocidade e ajudar algumas pessoas, isso é ótimo, porque já temos esses medicamentos e podemos usá-los”.

Outro cientistas americano, o Mark Denison, que trabalha com a família coronavírus há 36 anos, avalia que não teremos um único remédio contra o Sars CoV-2 que resolva todo o problema.

“Eu penso num coquetel, como os coquetéis contra o HIV e contra o vírus da hepatite C. Até porque a Covid-19 acaba sendo duas doenças diferentes: uma é a do vírus em si, e a outra é quando acontece uma reação exagerada das defesas naturais, que acaba atacando o próprio organismo. Então, é preciso combater o vírus e também essa reação imunológica exagerada”, explicou.