Sincofarma SP

Preocupação deve ser em como os serviços de saúde tecnológicos acontecem

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2019-02-25 16:00:08

 

A semana começa assimilando mais uma notícia relacionada à telemedicina: a revogação da Resolução nº 2.227/2018 depois de diversas manifestações contrárias. O Conselho Federal de Medicina (CFM) justificou dizendo que irá analisar todas as contribuições que tem recebido por meio da consulta pública e que vai preparar um novo texto.

O momento continua propício para seguirmos analisando novas possibilidades. Pois bem, tanto a telemedicina como a telefarmácia foram desenvolvidas para levar informações e serviços sobre saúde a áreas e comunidades de difícil acesso à saúde em si.

A telemedicina é utilizada há anos em diversos países e a gama de serviços relacionados aumentou consideravelmente à medida que a tecnologia avançou, o que naturalmente resultou no conceito de eHealth. Uma hora ou outra chegará ao Brasil.

Nos EUA, Canadá e alguns países da Europa, a telefarmácia auxilia inclusive os profissionais médicos a reduzirem os erros de medicação nas prescrições. Nesses locais, ao contrário do que se pensa, estratégias de informação remota sobre saúde não reduziram a demanda e muito menos o número de profissionais necessários para se trabalhar em saúde. O que se constata é justamente o oposto.

Uma vez estabelecido o conceito, quando observamos a fundo, vemos que, de certa forma e, na maioria das vezes, de forma errada, a telefarmácia e a telemedicina já fazem parte da nossa realidade há algum tempo. As pesquisas sobre automedicação, em consequência de informações coletadas pelos usuários em plataformas de buscas na internet, como Google e Bing, deixam esse fato claro. Vivemos em um mundo de evolução tecnológica acelerada, onde o fluxo de informações é muito grande e de fácil acesso. Em outras palavras, a tecnologia e o alto fluxo de informações evoluem e não questionam aos profissionais de saúde ou de outras áreas se estão evoluindo certo ou não.

Na minha opinião, a grande polêmica que existe sobre a tecnologia em saúde substituir profissionais humanos é um grande equívoco. A telemedicina ou a telefarmácia sozinhas não vão substituir médicos ou farmacêuticos. Médicos e farmacêuticos que utilizam telemedicina, telefarmácia e que se encontram tecnologicamente atualizados em suas metodologias irão substituir profissionais que optarem por não acompanhar a evolução tecnológica. Simples assim.

A preocupação e a polêmica não deveriam ser se os serviços de saúde tecnológicos são passíveis de acontecer ou não – eles já estão acontecendo – e sim em como devem acontecer. Mais importante ainda, que informações devem ser coletadas e como elas devem ser tratadas e armazenadas. Toda evolução tecnológica traz consigo prós e contras. Vamos pegar como exemplo nossa evolução social tecnológica. Transferimos grande parte do nosso tempo e, consequentemente, grande parte de nossas informações para plataformas online. Dados estes que hoje são utilizados para um profundo entendimento de comportamento social, humano e até mesmo de emoções, mensurados simplesmente pelo acesso a computadores, smartphones e tablets. Em contrapartida, nos vemos cada vez mais expostos a vendas desses mesmos dados, estudos e informações.

Agora vamos pensar que o caminho natural nos leve para um mesmo grau de entendimento sobre saúde. O quanto vamos evoluir sobre doenças, epidemiologias, tratamentos, medicamentos. O quanto vamos conseguir mensurar sobre questões como prevenção, acompanhamento e métodos de saúde. Diferentemente do que temos hoje nas plataformas de buscas, seríamos orientados por profissionais de saúde reais, que poderiam entender nossa demanda emergente e primária de saúde. Resolver o problema melhor do que informações generalizadas e que não levam em conta o organismo humano como único e pessoal. Quantas dúvidas seriam sanadas e levadas a atendimentos profissionais de saúde especializados e mais assertivos. O quanto não seriam reduzidos os índices de automedicação. O quanto não seriam reduzidos os grupos de desinformação, como os grupos antivacinas, por exemplo.

Falando especificamente de telefarmácia: não acredito que substituiria o profissional farmacêutico da drogaria. Acredito que poderia, em um primeiro momento, auxiliar esse profissional e ser um serviço em diferencial, para ofertar informações quando surgirem as dúvidas do paciente, que geralmente aparecem na hora de consumir o medicamento. Claro que também visualizo esse serviço dentro da farmácia, até mesmo nas gôndolas de medicamentos e produtos.

Mas hoje o trabalho do farmacêutico nas farmácias e drogarias vai muito além do que a tecnologia alcança, sendo impossível substituí-lo por máquina ou atendimento remoto. Em contrapartida, entendo que a telefarmácia poderia auxiliar pacientes polimedicados em sua farmacoterapia, reduzir os casos de intoxicação e interações medicamentosas e ainda aumentar a interação médico-farmacêutico com um resultado na melhor efetividade e assertividade nos tratamentos farmacológicos contidos nas prescrições médicas.

Entendo que a telefarmácia poderia disseminar o conceito de saúde como bem-estar, prevenção e qualidade de vida; que poderia, assim como médicos ou qualquer outro profissional de saúde, realizar atendimentos com orientações primárias e básicas em saúde, com o objetivo de trazer mais informação, encaminhamento correto, mais específico e ideal para um real resultado em saúde. Sem deixar de destacar o quanto a riqueza de informações e dados sobre saúde armazenadas somariam na visão clínica de qualquer profissional de saúde.

As dificuldades de evolução e aplicabilidade dessa e de demais tecnologias vão sempre de encontro à regulamentação. A tecnologia evolui, as pessoas evoluem, as informações evoluem. Infelizmente, nossas legislações e regulamentações não. Sejam elas de conselhos de classe, sejam municipais, estaduais ou federais. Vamos exemplificar a lei federal que regulamenta farmácias e drogarias: Lei nº 5.991, de 1973, válida e com última atualização, para aplicabilidade da validade de prescrições para todo o território nacional, em novembro de 2018 (Lei nº 13.732) – sem falar ou citar prescrição digital. Estamos regulamentados por uma lei de 46 anos, que, em todas atualizações sofridas, ignorou totalmente a tecnologia e toda a evolução pela qual o setor passou nesses anos. Em 1973, para efeito comparativo de evolução tecnológica, não existia internet. Na época, tínhamos a Arpanet, precursora da internet como a conhecemos hoje, que havia sido desenvolvida e utilizada para fins militares durante a Guerra Fria. A internet de 1973 não se assemelha em nada com a que temos hoje em nossos computadores, smartphones e tablets. A lei é a mesma.

Mesmo a Lei Federal nº 13.021/2014, que traz grande atualização no conceito de farmácias e drogarias pelo reconhecimento como estabelecimento de saúde, encontra dificuldades, contrapontos e contradições na lei de 1973. Vamos debater um ponto específico da lei que vem em contraponto com a oferta de informações dentro da farmácia. O artigo 55 da lei de 1973 nos diz que: “É vedado utilizar qualquer dependência da farmácia ou da drogaria como consultório ou outro fim diverso do licenciamento”. Segundo o dicionário, consultório é o local de trabalho onde certos profissionais dão consulta – orientação profissional – a seus clientes.

A lei 13.021 de 2014, que traz a drogaria com trabalho reconhecido em saúde – estabelecimento de saúde –, diz, no artigo 13, que o farmacêutico, no exercício de suas atividades, está obrigado a:

I – Notificar os profissionais de saúde e os órgãos sanitários competentes, bem como o laboratório industrial, dos efeitos colaterais, das reações adversas, das intoxicações, voluntárias ou não, e da farmacodependência observados e registrados na prática da farmacovigilância;

II – Organizar e manter cadastro atualizado com dados técnico-científicos das drogas, fármacos e medicamentos disponíveis na farmácia;

III – Proceder ao acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes, internados ou não, em estabelecimentos hospitalares ou ambulatoriais, de natureza pública ou privada;

IV – Estabelecer protocolos de vigilância farmacológica de medicamentos, produtos farmacêuticos e correlatos, visando a assegurar o seu uso racionalizado, a sua segurança e a sua eficácia terapêutica;

V – Estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas;

VI – Prestar orientação farmacêutica, com vistas a esclarecer ao paciente a relação benefício e risco, a conservação e a utilização de fármacos e medicamentos inerentes à terapia, bem como as suas interações medicamentosas e a importância do seu correto manuseio.

Logo, em fatos e interpretações legais:

1) A lei 13.021 OBRIGA o profissional farmacêutico a ofertar consulta – é impossível cumprir a obrigatoriedade do artigo 13 sem consultas. A 5.991, por sua vez, proíbe;

2) Mesmo em televisores, tablets ou computadores, seria proibido ofertar “consultas” dentro da farmácia, o que, teoricamente, impede a prática de telefarmácia, telemedicina ou qualquer prática que colete e forneça informações de saúde. Teoricamente, e no mesmo conceito, até mesmo planos “fidelidade”, amplamente utilizados no setor, estariam proibidos por interpretação jurídica;

3) Não temos nada, em nível de regulamentação, que leve em conta o momento tecnológico que vivemos. Até mesmo o SNGPC – regulamentado pela Anvisa – não consta em nenhuma lei federal.

A falta de orientações e regulamentações sobre o assunto permite que a tecnologia ganhe espaço sem direcionamento, deixando brechas para práticas que futuramente possam ser consideradas ilegais e antiéticas. Em efeito prejudicial, ainda podemos citar a desunião das classes profissionais de saúde, as divergências de opiniões e quase sempre prevalência de opiniões desatualizadas dentro das classes de saúde. Profissionais que, inseguros em relação à evolução tecnológica, optam por ignorá-la ou se colocarem desfavoráveis, o que acaba refletindo até na formação dos novos profissionais, que saem da faculdade desatualizados.