2018-12-06 10:01:08
Estação mais quente aumenta risco de transmissão – por isso, a vacinação preventiva é fundamental. Atualmente, apenas 50% dos brasileiros estão protegidos contra a doença.
A corrida por vacinas após o maior surto recente de febre amarela no Brasil, há quase dois anos, não foi suficiente para conter os riscos de expansão da doença. De acordo com números recentes do Ministério da Saúde, de 1º de janeiro a 8 de novembro deste ano, foram registrados 1.311 casos e 450 mortes, quase o dobro do identificado no mesmo período do ano anterior, 736 casos e 230 mortes.
Agora, com a proximidade do verão, época de maior risco de transmissão – o aumento da temperatura favorece a reprodução dos mosquitos transmissores e, por consequência, o potencial de circulação do vírus –, o governo faz um alerta para que as pessoas que vivem em áreas com evidências da patologia (a lista completa pode ser acessada no site do MS) busquem a vacinação o quanto antes.
Esse chamado ocorre porque áreas recém-afetadas e com grande contingente populacional, como as regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, ainda têm um número elevado de indivíduos não vacinados. A imunização atingiu pouco mais da metade dos cidadãos que deveriam ser vacinados.
“As pessoas devem tomar a vacina agora, antes do período de maior incidência da febre amarela, para que, quando o verão chegar, estejam imunizadas e não precisem correr para os postos. Queremos, além de evitar a proliferação da doença, que seja possível atender a todos sem problemas”, diz Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Procura pela vacina
Antes restrita à região Amazônica, a enfermidade aos poucos está se espalhando pelo Brasil. De acordo com Akira Homma, assessor científico sênior do Instituto de Tecnologia em Imunológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz), isso se deve a alguns fatores, como mudanças climáticas, desmatamento, crescimento desordenado das cidades, desequilíbrio ecológico e construção de casas em locais de mata.
Entre 1º de dezembro de 2016 e 31 de julho de 2017, o Ministério da Saúde recebeu a notificação de 3.564 casos suspeitos, com 777 confirmações e 261 mortes. A região Sudeste concentrou a maioria (764), seguida do Norte (10) e do Centro-Oeste (3). De 1º de julho de 2017 até 30 de junho de 2018, foram 1.376 casos e 483 mortes, e, de 1º de janeiro a 8 de novembro deste ano, 1.311 e 450, respectivamente.
Por conta disso, neste ano, foram enviadas para todo o país 30 milhões de doses da vacina. Após o último surto, a vacinação foi ampliada para 4.469 municípios, em especial nas proximidades de capitais e áreas metropolitanas das regiões Sudeste e Sul, onde há evidência da circulação viral.
Mas, apesar da disponibilidade, o ministério informa que a procura tem sido baixa por parte da população. “A vacina está sempre disponível, mas, infelizmente, as pessoas só vão atrás dela quando os casos e, principalmente, as mortes começam a ser noticiados”, comenta Domingues.
Foi assim em 2017. Durante alguns meses houve muita confusão e enormes filas nas portas dos postos de vacinação. A coordenadora do PNI relata que chegou a haver um esgotamento do serviço de saúde pela incapacidade de atender ao pico de demanda.
“O problema se deu porque moradores tanto de locais considerados de risco quanto dos não considerados correram para se vacinar”, acrescenta.
Atualmente, no entanto, apenas 50% dos brasileiros estão protegidos contra a doença. Mas a meta indicada pelo Ministério da Saúde para garantir a imunização e evitar a disseminação do vírus é de 95% de cobertura do público-alvo.
“Apesar da grande quantidade de informações divulgadas e toda a correria que houve no ano passado, a procura ficou bem abaixo do esperado, e não sabemos exatamente o porquê”, afirma Homma.
Uma das razões talvez tenham sido as fake news. Em nota, o MS diz que “não existe um estudo que possa mensurar a dimensão do impacto das notícias falsas diretamente nas coberturas vacinais, mas sabe-se que boatos sobre efeitos graves da vacina circulam pela internet e podem influenciar na decisão de algumas pessoas na hora de se vacinar”.
Por conta disso, em março deste ano, o ministério implementou um monitoramento de fake news no meio digital, onde são avaliadas, diariamente, mais de sete mil menções do que pode ser um foco de desinformação proposital para espalhar boatos sobre saúde. Todas são analisadas pela assessoria de comunicação e, caso necessário, é realizada uma intervenção ativa para esclarecê-las.
Quanto ao movimento antivacina, que também pode ter impacto negativo nas campanhas de imunização, o órgão relata que ele não é tão expressivo no Brasil quanto no exterior.
Em compensação, ele avalia ainda que o próprio sucesso de outras ações no país – e que tiveram como resultado a eliminação da poliomielite, do sarampo, da rubéola e da síndrome da rubéola congênita – tem causado, em parte da população e até mesmo em alguns profissionais de saúde, a falsa sensação de que não há mais necessidade de se vacinar.
Para melhorar os números, segundo Carla, o governo terá um grande desafio pela frente. Mesmo assim, ela adianta que, por enquanto, não será realizada nenhuma campanha de vacinação contra a febre amarela – no ano passado ela foi necessária por conta do surto.
Vacina e prevenção
Oferecida em postos do Sistema Único de Saúde (SUS) durante todo o ano, a vacina é indicada para pessoas com idades entre 9 meses e 59 anos que residam em áreas recomendadas ou que pretendam viajar até essas regiões, lembrando que a aplicação deve ser feita, pelo menos, 10 dias antes do deslocamento. No caso de gestantes e idosos, a regra é buscar orientação médica.
Não podem ser vacinados bebês com menos de 9 meses; mulheres amamentando bebês com menos de 6 meses de idade; pessoas com alergia grave ao ovo; portadores de doenças autoimunes e HIV, com contagem de células CD4 menor que 350, e pacientes que fazem tratamento com quimioterapia, radioterapia e imunossupressores.
Quem já se vacinou com a dose integral não precisa repetir, pois o Brasil adota o esquema de dose única, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Este ano, o MS promete que haverá a vacina padrão para toda a população, mas desde que as prioridades sejam respeitadas.
Em 2017, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia utilizaram em muitos casos a vacina fracionada. A eficácia, segundo Carla, é a mesma. A diferença fica por conta da dosagem, que é menor, e do tempo de proteção, que é de oito anos.
Além da vacina, outros cuidados são indicados para evitar a febre amarela. O primeiro deles é não frequentar as áreas consideradas de maior risco de exposição, como matas, florestas, rios, cachoeiras, parques e o meio rural, especialmente para quem tem contraindicação para receber a proteção.
Também deve-se apostar no uso de repelente de insetos e roupas que cubram a maior extensão possível de pele, passar mais tempo em ambientes refrigerados e utilizar mosquiteiros e telas nas janelas.
Junto a isso, é fundamental combater proliferação dos mosquitos, mantendo as casas e as ruas limpas, não deixando água parada, habitat ideal para sua reprodução, e fechando bem as lixeiras.
“Neste momento é essencial fazer vigilâncias epidemiológica e entomológica, vacinar a população das áreas de risco e controlar os vetores urbanos da febre amarela e da dengue, da chikungunya e do zika. O objetivo é não deixar que haja espaço para a disseminação das doenças”, diz Akira Homma, do Bio-Manguinhos/Fiocruz.
O que é febre amarela?
A febre amarela é uma patologia infecciosa febril aguda, causada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos vetores infectados. Não é contagiosa, ou seja, não é passada de pessoa para pessoa, e tem letalidade em torno de 40%.
Há dois diferentes ciclos epidemiológicos de transmissão: o silvestre (em área rural ou de floresta) e o urbano. Em ambos o vírus é o mesmo; a diferença fica por conta do tipo de mosquito.
No silvestre, os primatas não humanos (macacos) são os principais hospedeiros e amplificadores do vírus. Os vetores são mosquitos com hábitos estritamente silvestres, sendo os gêneros Haemagogus e Sabethes os mais conhecidos na América Latina.
Nesta situação, o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar áreas de mata para fazer ecoturismo, trabalhar ou porque mora na região.
No ciclo urbano, por sua vez, o ser humano é o único hospedeiro com importância epidemiológica, e a transmissão ocorre a partir de vetores urbanos – o mosquito Aedes aegypti – infectados.
Nos dois casos, a contaminação se dá quando uma pessoa não vacinada é picada pelo mosquito infectado pelo vírus.