2017-10-27 12:00:08
Pergunta feita por menina de 9 anos levou os cientistas da BBC Adam Rutherford e Hannah Fry a mergulhar no misterioso mundo dos sonhos.
Você está no prédio de uma multinacional. Entra na sala do conselho, onde se depara com o diretor executivo rodeado de outros empresários. Estão todos prontos para entrevistar você para uma vaga de emprego. Mas logo você se dá conta de que se esqueceu de colocar a roupa e está completamente nu.
Calma, foi só um sonho. E se há algo que os seres humanos têm em comum são as experiências oníricas – e as tentativas de interpretá-las ao acordar.
Mas afinal, por que sonhamos? E por que os sonhos se repetem?
O questionamento foi feito por Mila O’Dea, de 9 anos, que mora em Gamboa, no Panamá. Ela enviou a pergunta ao programa de rádio “The Curious Cases of Rutherford & Fry” (“Casos Curiosos de Rutherford & Fry”), apresentado pelos cientistas Adam Weir Rufherford e Hannah Fry, na BBC Radio 4.
De fato, trata-se de um mundo fascinante. Os seres humanos compartilham várias temáticas de sonhos, como dente mole ou caindo. Reparar que está nu em um lugar público também é recorrente, assim como fazer uma prova final na faculdade e perceber que não assistiu a nenhuma aula.
Mas além desse tipo de sonho, que pode refletir preocupação ou medo, há outros que podem ser divertidos, como ser capaz de voar. E existem aqueles que são definitivamente estranhos – e que talvez chamem mais atenção pelo surrealismo.
Será por isso que Salvador Dalí costumava comer ouriços do mar cobertos de chocolate antes de dormir na tentativa de estimular os sonhos que inspirariam sua arte?
Essa história pode ser verdade ou pura lenda, mas conhecendo sua obra, parece que há um fundo de verdade.
Temas e situações
Especulações à parte, cientistas em diferentes partes do mundo têm tentado desvendar o imaginário mundo dos sonhos em busca de suas causas e funções.
Bill Domhoff, um dos pioneiros na pesquisa de sonhos, coletou mais de 20 mil relatos de pessoas ao redor do mundo para estudar os padrões existentes e formular teorias. O levantamento deu origem a um “banco de sonhos” online.
“Os sonhos dramatizam nossas preocupações e, muitas vezes, encenam o pior dos cenários. Como ser reprovado em uma prova ou esquecer o diálogo em uma peça de teatro”, diz Domhoff.
“Eles não só abraçam nossos desejos, mas nossas preocupações, nossos medos e nossos interesses. Se eu compilasse cem sonhos seus ao longo de várias semanas ou meses, encontraria vários temas e consistências.”
Embora haja temas específicos para cada indivíduo, alguns preocupam a todos, como homens desconhecidos. Estranhos representam perigo nos sonhos para homens e mulheres, afirma o pesquisador.
Esse tipo de sonho é comum a diversas pessoas, mas constituem menos de 1% de todos os sonhos que temos, embora sejam aqueles que costumamos lembrar.
Mas o que acontece no nosso cérebro quando sonhamos?
Sonho MOR
Essa questão começou a ser respondida pelo fisiologista Eugene Aserisnky, da Universidade de Chicago, em dezembro de 1951.
Aserinsky conectou seu filho de 8 anos a um eletroencefalograma para analisar as ondas cerebrais produzidas durante o sono da criança.
A princípio, ele não percebeu muita atividade até que, de repente, as agulhas do aparelho começaram a se mover rapidamente.
O cientista achou que o filho tivesse acordado, mas ao entrar no quarto ficou surpreso ao ver que ele ainda estava dormindo. O monitor mostrava que os olhos e o cérebro da criança estavam bastante ativos.
Aserinsky chamou essa fase do sono de REM (Rapid Eye Movement), também conhecida pelo acrônimo MOR (Movimento Ocular Rápido),
Os ciclos MOR acontecem mais ou menos a cada 90 minutos e podem durar até meia hora. Em adultos, constituem um quarto do sonho.
Foi constatado que, quando as pessoas acordam após passar por uma fase MOR, geralmente relatam ter sonhado.
No entanto, agora sabemos que os sonhos podem ocorrer durante outras fases do sono, quando nosso cérebro está muito menos ativo.
O cérebro pode ficar bastante ativo durante o sono, mas o que acontece com nosso corpo é bem diferente.
“Quando dormimos, o tônus muscular do corpo começa a diminuir e desaparece completamente ao entrar em MOR. Na verdade, os únicos músculos que estão trabalhando são o diafragma (para expandir os pulmões) e o coração”, explica o pesquisador Mark Balgrove, da Universidade de Swansea, no País de Gales.
“Essa perda de tônus pode acontecer para que a gente não aja fisicamente em toda cena que ocorre durante o sonho, que muitas vezes envolve movimento. Pode ser perigoso agir quando você está dormindo”, adverte Balgrove.
Teorias
Diversos estudos e observações produziram uma série de teorias sobre a função dos sonhos:
- Simulação de ameaça: essa teoria sustenta que as pessoas praticam nos sonhos como lidar com ameaças. Neles, o indivíduo pode lutar contra leões, escapar de uma gangue ou responder com firmeza quando é humilhado. São simulacros, diz Balgrove: “Essa prática, embora você não consiga se lembrar ao acordar, ajuda você a se manter em forma durante as horas de consciência”.
- Consolidação da memória: essa teoria afirma que à noite o cérebro está trabalhando na compilação de lembranças. Assim, o estranhamento que às vezes se manifesta nos sonhos pode ser resultado da tentativa do cérebro de vincular duas coisas que normalmente existem de forma independente, mas precisam se relacionar.
- Redução do medo: essa teoria diz que aprendemos ou acumulamos muitos medos quando estamos acordados, e ao dormir, reduzimos as preocupações ao sonhar com nossos temores, mas possivelmente em um contexto diferente. Isso ajudaria a eliminar ou reduzir o medo. Mas Balgrove adverte: “Existe a possibilidade de o sonho falhar. Neste caso, se transforma em pesadelo e dá medo”.
Além disso, há quem acredite que os sonhos sejam premonitórios – boa parte da literatura universal dialoga com essa ideia.
Um jornal britânico decidiu fazer um teste em 1970. Convidou os leitores a registrarem seus sonhos e, nos 15 anos seguintes, tentou relacionar os relatos com as notícias mundiais.
O resultado? O mesmo que se tivessem sido relacionados ao acaso.
De qualquer forma, há uma escola de pensamento que afirma que os sonhos não têm função evolutiva.
Bill Domhoff, criador do “banco de sonhos”, argumenta que eles são um efeito colateral acidental da evolução de nossas habilidades intelectuais desenvolvidas ao longo de milhões de anos. Uma conjuntura entre um estado de sono ativo misturada com grande capacidade cerebral.
“Acredito que os sonhos têm um significado psicológico, mas não acho que tenham um papel adaptativo”, continua.
“Se eu tivesse acesso a 50 sonhos seus, teria uma boa ideia das suas preocupações, dos seus interesses, de quem você gosta ou não. Nesse sentido, eles não são sandices aleatórias, são retratos psicológicos, pegadas digitais da sua mente.”
‘Zona quente’
Cientistas da Universidade de Lausanne, na Suíça, foram além para tentar esclarecer a situação.
Os pesquisadores monitoraram e registraram a atividade cerebral de pacientes voluntários durante o sono. No procedimento, os participantes eram despertados regularmente e questionados se recordavam do sonho.
A diretora do estudo, Francesca Siclari, conta como eles encontraram uma área extremamente vigilante do cérebro “sonhador”, a qual chamaram de “zona quente”.
“Descobrimos que quando os pacientes relatam um sonho, a atividade cerebral muda nessa parte, que é uma região do cérebro que engloba áreas visuais e também outras que ajudam a integrar várias experiências sensoriais”, diz Siclari.
Os cientistas perceberam que essa área ficava mais desperta quando os pacientes sonhavam – a atividade cerebral era mais rápida, semelhante ao estado consciente. Quando não sonhavam, a atividade era lenta.
Isso se tornou um sinal para tentar prever quando alguém estava sonhando.
“Nós observamos a zona quente do cérebro em tempo real e tentamos prever com base nessa atividade se a pessoa estava sonhando ou não. Então, acordávamos o paciente para ver se nossa previsão estava correta – e acertamos em 90% dos casos”, afirmou Francesca Siclari.
Segundo Mark Blaygrove, o estudo mostra que uma região do cérebro está ligada às fases do sono e opera como um interruptor.
“Se conseguíssemos descobrir o que ativa o interruptor, o que faz com que ele ligue e desligue, poderíamos saber por que o sonho começa de repente ou acaba”, diz.
A resposta poderia explicar por que os sonhos são úteis e se, de alguma forma, podemos controlá-los.