2017-08-03 15:00:08
Às vésperas do Dia Nacional da Farmácia, Francisco Deusmar de Queirós, fundador e presidente da Pague Menos, relembra sua trajetória de vida e dá mais uma demonstração pública de amor à rede que fundou há 36 anos, no Ceará. Leia a entrevista com exclusividade.
Como o senhor se define pessoal e profissionalmente?
Como um cristão, otimista e ousado, tanto na vida pessoal quanto profissional. Realizo-me por meio do trabalho e, principalmente, no convívio com a família, que, além de filhos, filhas, noras e genros, já conta com 14 netos.
Sua trajetória é inspiradora. De comerciante em mercearia a fundador da segunda maior rede de farmácias do Brasil, como foi percorrer esse caminho?
Sou grato a duas pessoas que foram a base de tudo o que sou hoje: os meus pais. Sempre falei muito pouco sobre eles, mas não posso deixar de reconhecer o quanto minha mãe, Madalena, foi importante na minha formação como pessoa, seja na parte religiosa, seja no desejo de vencer na vida. E ao grande baluarte, empreendedor, formador e exemplo de trabalho, o meu pai Antônio Lisboa de Queirós, com quem aprendi a arte de comercializar desde cedo, pois nasci numa mercearia ou bodega, como chamavam naquela época.
Como foi sua infância?
Foi numa casa de comércio no pequeno município de São Bento da Amontada, no interior do Ceará. Era uma escola, ou melhor, uma universidade da vida, e lá se comercializava de tudo, talvez alguns que não nasceram no Nordeste nem saibam do que se trata. Em seguida mudei para Fortaleza, porque meus pais queriam que um dia eu fosse doutor. Menino, eu continuei com meu aprendizado de comerciante e empreendedor, estudando e trabalhando. Aos oito anos de idade, comecei a vender banana, laranja, manga e rapadura depois da aula e logo fui pegando gosto. Meu pai me ensinava o quanto custava um dia de estudos e aconselhava que sempre tivesse um pouco guardado para comprar o material escolar, o uniforme e a roupa para ir ao colégio. Aos 15 anos, assumi a loja da família. Negociava com fornecedores e vendia para os clientes.
Foram muitos obstáculos?
Obstáculos e desafios eu enfrento desde que nasci. O mercado de trabalho foi só mais um deles, nem maior nem menor. Sempre tive como companhias a perseverança, a ousadia e a coragem de buscar novos ensinamentos, novos horizontes, além de uma fé inabalável em Deus e em sua proteção. Já graduado em Ciências Econômicas e Administrativas pela Universidade Federal do Ceará, fui professor na Universidade de Fortaleza (Unifor), nas cadeiras de Mercado de Capitais, Microeconomia e Macroeconomia, até chegar à coordenação do curso de Economia. Paralelamente, eu trilhava uma rápida evolução profissional no mercado financeiro. Ter meu próprio negócio sempre foi uma visão, um objetivo a ser perseguido. Desde o início, identifiquei no varejo farmacêutico um mercado promissor para colocar em prática um modelo embasado em inovação, conveniência e cidadania. A oportunidade surgiu e não tive nenhuma dúvida em acreditar no trabalho diuturno para fazer da Pague Menos um sucesso no varejo farmacêutico. Claro que você precisa de sorte. Os ingredientes principais, entretanto, são a vontade e a disposição para trabalhar, equilibrando sua vida pessoal com a profissional.
Quando o senhor inaugurou a primeira loja?
Em 1981, em Fortaleza. A decisão de alargar as fronteiras da Pague Menos foi natural e consequência do crescimento em território cearense. Conquistamos o Nordeste, avançamos pelo Sul, Sudeste e Centro-Oeste e hoje administramos uma das maiores redes de farmácias do País, com mais de 22 mil colaboradores e mil pontos de venda. É a única varejista a estar presente em todos os estados e no Distrito Federal. Mantém um crescimento médio anual (CAGR) de 20% nos últimos dez anos, um dos maiores índices contínuos do Brasil. Cada loja aberta significa uma conquista, especialmente nos municípios de menor porte e com acesso mais restrito à saúde. A Pague Menos está cumprindo à risca sua filosofia de disseminar bem-estar e qualidade de vida em diferentes rincões do País.
Poucos sabem, mas o senhor dedicou boa parte de sua vida profissional ao mercado financeiro. Quais foram os aprendizados dessa época e como eles ajudaram a firmar a Pague Menos no mercado farmacêutico?
O mercado financeiro sempre me encantou. Após cinco anos em cargos gerenciais na Crédimus Distribuidora de Valores, em 1976, fui convidado a montar a área de operações da Bolsa de Valores Regional. Em 1977, criei a PAX Corretora de Valores – que passou a atender clientes do porte de Vicunha, Coteminas e empresas do polo petroquímico de Camaçari (BA). Quatro anos depois, no fim da década de 70, eu havia conquistado um patrimônio de um milhão de dólares. Houve um nicho de mercado em que acreditamos e devotamos muito suor e esforço para alcançar a dianteira nesse mercado. Eram os leilões da carteira de ações do FINOR, administrada pelo Banco do Nordeste. Fizemo-nos presentes em todos os 100 primeiros leilões, o que nos deu liderança. Em 1984, a corretora intermediou a aquisição de 66% da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene) na Bolsa de Valores de São Paulo. Tornou-se, assim, a maior corretora de valores do Brasil na intermediação de ações de empresas beneficiárias do sistema de incentivos fiscais (FINOR).
O senhor também chegou a estudar fora do País…
Sim, enquanto trabalhava no mercado financeiro, fiz dois cursos nos Estados Unidos, onde conheci as drugstores americanas. Fiquei encantado com a diversidade de produtos, bem diferente das farmácias do Brasil, que só vendiam remédios e poucos artigos de perfumaria. A grande diversificação das drugstorespermitia vender remédio a um preço baixo, porque o lucro menor dos medicamentos era compensado com margens melhores nos demais produtos. Achei o sistema muito interessante e comecei a pensar em como adaptá-lo ao Brasil. Ter uma farmácia me pareceu ótimo. Todo mundo precisa de remédio e eu simpatizava com a ideia de lidar com comércio, porque era um tipo de negócio mais parecido com a mercearia que eu tinha quando criança.
Se o senhor tivesse que listar três competências fundamentais num grande líder, quais seriam elas?
Para ter sucesso, é preciso inovar, mas se não houver determinação e trabalho nada acontece. É preciso saber o que quer. Fazer com prazer. Trabalhar duro. Respeitar o tempo de sua família. O equilíbrio pessoal é importantíssimo. E ter fé. Não desanimar nunca diante dos problemas. Considere-os como seus amigos, pois eles nos impulsionam. Com os desafios, aprendemos a persistir, a sonhar, a realizar e, principalmente, a trabalhar. Quando a Pague Menos inaugurou a primeira farmácia, os desafios não eram tão diferentes dos que enfrentamos agora, apenas tomaram novas proporções e um ritmo mais acelerado. Hoje o mercado exige uma maior resiliência, em um cenário de rápidas mudanças, globalização e conectividade. Não há espaço para a liderança autocrática, a resistência às mudanças e a falta de incentivo à inovação e à criatividade. O cenário exige decisões ágeis e eficientes. Não devemos ter medo de errar, mas, se falharmos, devemos corrigir na mesma velocidade. Procurar cercar-se sempre de pessoas umbilicalmente comprometidas com a sua empresa e não ter medo de inovar. O tripé “inovação, conveniência e cidadania” é a base de sustentação estratégica do crescimento das Farmácias Pague Menos. Sempre procuramos crescer passo a passo, mas sem deixar de reinventar o negócio dia a dia. A única certeza que não muda é a vontade de mudar.
Qual o seu atual livro de cabeceira?
Não tenho um livro de cabeceira, mas atualmente estou terminando de ler O Rei do Cinema, que conta a história do cearense Luiz Severiano Ribeiro.
Qual o segredo da sustentabilidade de um negócio com 990 lojas, 20% de crescimento ao ano e 22 mil funcionários?
A Pague Menos sempre foi bastante resiliente e, ao longo dos seus 36 anos, tem enfrentado todas as mudanças de cenários, mantendo um crescimento contínuo e sempre acima da média do setor. Nossa companhia passa por revisões estratégicas constantes, antecipando-se às tendências, reinventando o negócio com investimento regular em pessoas, processos e tecnologia. Investimos permanentemente na qualificação do capital humano e apostamos na diversidade do mix de produtos e serviços. E mais importante: estamos totalmente atentos aos desejos do consumidor e, dessa forma, convivemos com diversos cenários sem sobressaltos. Para persistir, é preciso ouvir o cliente e acreditar na sua equipe.
Em algum momento, o senhor pensou em desistir?
Pelo contrário, a cada ano me sinto com mais disposição e saúde. Todos os dias, quando saio para o trabalho, despeço-me da minha esposa dizendo: “Estou indo pra festa” e quero continuar indo para essa festa todos os dias. O meu desafio é perpetuar a empresa. Venho preparando meus quatro filhos desde criança, metade das férias eles passavam dentro da empresa. Hoje meu filho Mário é o diretor presidente, está conduzindo a companhia com excelência, junto com meus outros três filhos, que trabalham em áreas estratégicas. Rosilândia Lima é membro do Conselho de Administração e diretora de Gerenciamento de Categorias, com o grande desafio de garantir um mix de produtos eficiente nas lojas. O Carlos Henrique, diretor de Expansão, é responsável por cumprir nosso plano de abertura de lojas e também da reforma e manutenção das lojas já existentes. Seu trabalho, que já não era fácil, teve um grande acréscimo para este ano, pois vamos abrir mais 180 novas lojas. A Patriciana Rodrigues é vice-presidente comercial, cuida das Diretorias de Vendas, Compras, Gerenciamento de Categoria e Marketing, uma tarefa árdua, pois tem que gerir um estoque de R$ 1 bilhão com mais de 15 mil SKUs – Stock Keeping Unit (Unidade de Controle de Estoque), com comportamentos diferentes em quase mil lojas espalhadas por mais de 345 municípios e abastecidas por quatro centros de distribuição.
A rede inovou com o Clinic Farma, criado em 2014. Hoje, apenas três anos depois, são mais de 530 salas de atendimento. Mas optou por não cobrar pelos serviços farmacêuticos. Por quê?
O que quer o nosso cliente? Essa é a primeira pergunta que devemos fazer para transformar momentos de retração em oportunidade. Precisamos ouvi-lo e é isso que as Farmácias Pague Menos sempre fizeram ao longo de sua trajetória. Nas nossas farmácias, o cliente encontra uma autêntica loja de saúde, bem-estar e conveniência. São práticas já aplicadas com sucesso no exterior e que buscamos incorporar ao longo de nossa trajetória. O modelo do Clinic Farma é mais um bom exemplo, por meio do qual valorizamos o papel do farmacêutico ao oferecer assistência clínica gratuita à população. Isso atende ao desejo do consumidor de uma farmácia mais próxima das suas necessidades. Estamos assumindo o papel de protagonistas na missão de aprimorar a saúde pública no Brasil.
A Abrafarma criou o Programa de Assistência Avançada, que incentiva e apoia os serviços farmacêuticos em todas as redes associadas, classificando-o inclusive como uma “revolução silenciosa”. O senhor também define dessa forma? Por quê?
Se bem estruturadas, as farmácias podem provocar, sim, uma revolução silenciosa e contribuir para a melhoria da saúde brasileira. Adotamos como meta, nos últimos anos, repensar o varejo e o papel do profissional farmacêutico, para entregar mais valor à sociedade. Estamos convencidos de que esse profissional deve fazer mais que entregar caixinhas de medicamentos ao usuário. Ele pode esclarecer eventuais dúvidas. O Projeto Assistência Farmacêutica Avançada prevê oito serviços que podem ser prestados nas farmácias, desde a imunização até exames de autocuidado. Com uma pequena revisão na legislação da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (ANVISA), sem qualquer ônus para os cofres públicos, as farmácias, se bem-estruturadas, podem contribuir com três simples passos: identificar riscos, por meio de testes laboratoriais rápidos, pois 70% da população nunca fez um check-up na vida; atuar na prevenção, através da aplicação de vacinas, pois a cobertura vacinal dos 11 aos 59 anos é muito ruim no Brasil; e melhorar a adesão ao tratamento, com o acompanhamento do farmacêutico. Esses passos, simples de ser executados na farmácia, podem, em médio prazo, reduzir o abandono ao tratamento, que, no Brasil, beira os 50%, e, por consequência, reduzir as filas do SUS, abarrotadas de agravos que podem ser evitados se cuidarmos antes da prevenção, da imunização e do cumprimento do tratamento que o médico prescreveu. Temos mais de 100 mil farmacêuticos em atividade no Brasil, prontos para contribuir como verdadeiros protagonistas no combate à precariedade do serviço público de saúde brasileiro.
Em 5 de agosto, comemora-se o Dia Nacional da Farmácia. Em sua opinião, qual o perfil da farmácia brasileira?
A farmácia brasileira está hoje em um rápido processo de profissionalização e modernização para oferecer mais qualidade de vida ao brasileiro. Temos farmácias mais conectadas e com uma melhor infraestrutura em tecnologia, que investem mais em TI e em ferramentas que melhoram a qualidade do serviço para o consumidor final.
O País já conseguiu desenvolver um modelo próprio de farmácia ou ainda está trafegando entre Europa e EUA em busca de uma identidade?
Ainda temos muita influência das drogarias americanas, com força em dermocosméticos, serviços de conveniência e um mix muito diversificado de produtos.
Por fim, depois de tudo que já se fez no ponto de venda, em termos de atendimento e tecnologia, ainda existe espaço para a inovação no varejo farmacêutico? Ainda é possível fazer diferente da concorrência e se destacar?
Potências globais de diversos setores da economia estão expandindo fronteiras, via M&A (fusões e aquisições), no mercado brasileiro em diversos setores, promovendo uma aceleração no processo de consolidação com uma concorrência devastadora, porém, mais profissional. A concorrência é necessária para sermos grandes. Ela nos dá força para corrigir as falhas e aprimorar os pontos fortes, não permitindo acomodações. Tivemos a sabedoria de nos cercar, desde o início, de pessoas umbilicalmente comprometidas com a empresa. Limites nunca foram impostos na arte de inovar: foi a primeira farmácia a ter lojas 24 horas sem portas, a primeira no Nordeste a criar o autosserviço e a primeira a receber contas de água, luz e telefone, que, doze anos depois, culminaria no sistema de correspondente bancário, regulamentado pelo Banco Central do Brasil. Agora estamos nos aperfeiçoando para proporcionar ao nosso cliente uma excelente experiência de compra. Sempre podemos inovar, melhorar e crescer.