De 23 medicamentos avaliados desde 2023, dez foram negados pela Conitec, subordinada ao Ministério da Saúde
Dez dos 23 medicamentos contra doenças raras e ultrarraras analisados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) em 2023 e em 2024 foram barrados de entrar para o Sistema Único de Saúde (SUS). É o equivalente a 43,4%, mostra levantamento da coluna sobre dados do Ministério da Saúde.
O dado é equivalente à média da série histórica e representa uma queda em relação aos dois últimos anos do governo passado, quando foram negados 65% dos medicamentos. Procurado, o Ministério da Saúde acrescentou que “doenças raras” é a categoria com o maior número de incorporações desde janeiro de 2023.
Nenhum medicamento ou exame, por exemplo, chega à rede pública antes de passar pelo crivo da Conitec — as exceções foram as vacinas contra a Covid-19, que tiveram processo emergencial anterior ao aval da comissão. O colegiado é subordinado ao Ministério da Saúde e tem caráter técnico e de assessoramento, sem poder de decisão. A palavra final é do secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, Carlos Gadelha. Porém, via de regra, as orientações do grupo são acatadas
Números parciais de janeiro a setembro de 2024 apontam para nove medicamentos avaliados: cinco aprovados e quatro negados. Entre os barrados, está o pegvisomanto, usado no tratamento da acromegalia, que se caracteriza pelo crescimento excessivo de algumas partes do corpo.
Esse cenário se assemelha ao de 2023. No último ano, a Conitec analisou 14 medicamentos, tendo recomendado oito e barrado seis. Na lista de negados, há o inibidor da C1 esterase derivado de plasma via subcutânea, usado contra o angioedema hereditário (que atinge o sistema imunitário).
O total de medicamentos para doenças raras barrados no atual governo é menor do que o dos dois últimos anos do governo de Jair Bolsonaro (PL). Em 2021 e em 2022, a Conitec analisou 29 remédios e negou 19, o equivalente a 65%. À época, o tema era uma pauta encampada pela então primeira-dama, Michelle Bolsonaro (PL).
Doenças raras são aquelas que afetam uma pequena parte da população em relação às enfermidades mais comuns. Segundo o ministério, a maioria delas ocorre em crianças. Tratam-se de pacientes que necessitam, muitas vezes, de cuidados e tratamentos contínuos e multidisciplinares.
O total de enfermidades raras é desconhecido e o diagnóstico, um entrave. Estima-se, contudo, que existam 5 mil tipos diferentes delas. Segundo estudos internacionais, doenças raras podem acometer de 263 milhões a 446 milhões de pessoas em todo o mundo. Esse montante corresponde a 3,5% a 5,9% da população.
Entenda as decisões que barram medicamentos para doenças raras
É comum que os medicamentos para doenças raras tenham alto custo, até mesmo milionário. Interlocutores ouvidos pela coluna avaliam que a análise da Conitec, por vezes, foca no caráter econômico em detrimento de outros quesitos e, por isso, parte dos medicamentos não se torna disponível no SUS.
Essa análise é corroborada por entidades de pacientes, que pleiteiam um assento no grupo. “Para a Conitec, tudo é muito caro. Eles veem o preço. Eles não estão vendo a importância do diagnóstico precoce, a incorporação do medicamento para raras”, disse a presidente da Associação Maria Vitoria de Doenças Raras (AMAVI Raras) e vice-presidente da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras (Febrararas), Lauda Santos.
Outra avaliação é de que a escassez de evidências científicas, ainda que os medicamentos precisem ter aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para passarem pela Conitec, faz com que haja possibilidade de negativa. Segundo fontes, existe até mesmo um atrito em razão disso entre a autarquia federal e a comissão.
“Muitas vezes, existe uma carência de dados científicos. Por terem menos evidências científicas, é mais fácil de negar”, analisou o advogado especialista em doenças raras e pesquisador do tema na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Daniel Wainstock.
O Ministério da Saúde, por sua vez, confirmou os dados publicados pela coluna e acrescentou que, desde a criação da Conitec, em 2011, o percentual de recomendações favoráveis é de cerca de 55% do total das demandas recebidas.
“De janeiro de 2023 a setembro de 2024, a pasta incorporou 47 tecnologias no SUS, das quais 15 (32%) são destinadas a tratamentos para doenças raras, sendo 13 medicamentos e 2 tecnologias, tornando-se a categoria com o maior número de incorporações, seguida pelo grupo de doenças infecciosas, com dez incorporações”, diz a pasta.
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Conheça a Conitec
A Conitec se divide em três comitês: Medicamentos; Produtos e Procedimentos; e Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas. As reuniões são gravadas e disponibilizadas online dias após a realização delas.
Participam da comissão as secretarias do ministério, os conselhos de secretários de saúde (Conass e Conasems), a Anvisa, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Nats).
O grupo tem 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para analisar se uma tecnologia será ou não incorporada ao SUS. De acordo com a Conitec, criada em 2011, as evidências científicas consideram a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança da tecnologia, além da avaliação econômica em comparação às já existentes.
Fonte: Metropoles
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