O uso de remédios para dormir vêm aumentando ano a ano no Brasil, principalmente após o início da pandemia.
Dados da indústria farmacêutica, obtidos pela CBN, mostram um aumento de 30% nas vendas dos medicamentos entre setembro de 2019 e 2023. Especialistas alertam para o uso indiscriminado nessa droga, que causa dependência. Uma nova geração de medicamentos com essa finalidade vai chegar ao Brasil em 2024.
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Essas pessoas que você acabou de ouvir têm uma coisa em comum: sofrem de insônia e recorreram a remédios para conseguir dormir. A chamada medicalização do sono é um fenômeno cada vez mais comum no Brasil. Só entre janeiro e setembro deste ano as farmácias já compraram quase 90 milhões de caixas de remédios que induzem ao sono, segundo o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos. Zolpidem é o mais famoso deles. Ele faz parte de uma classe de medicamentos hipnóticos conhecidos como drogas Z, que incluem ainda as substâncias zopiclona e zaleplona. O psiquiatra Marcio Zanini, vice-coordenador do departamento de Medicina do Sono da Associação Brasileira de Psquiatra comenta como ele funciona no organismo e porque ele é tão procurado:
“O Zolpidem possibilita o início de sono muito rápido, faz com que a pessoa adormeça sem ter muito cuidado com o sono, né? Tem umas medidas que a gente chama de “higiene do sono” que é uma preparação que a gente vai fazendo no início da noite para conseguir dormir bem. Então você reduz a quantidade de estímulos cognitivos, de estímulos luminosos estímulos, sonoros para que o seu cérebro e o seu organismo comecem a desacelerar e você consiga dormir. Já o zolpidem faz com que a pessoa possa dispensar essas mudanças de hábitos. Então, ela segue fazendo tudo que ela gostaria de fazer à noite e na hora que ela decide que ela quer dormir, ela simplesmente toma um comprimidinho e ele funciona como um botão liga-desliga, né?”
O curioso nessa história é que esses remédios não são novos, existem há mais de 30 anos no mercado. Então como explicar um aumento de uso tão expressivo? Os especialistas têm algumas hipóteses, entre elas o uso indiscriminado, o uso recreativo, ou seja, quando ele é tomado para outros fins, como para relaxar. Existe também a facilidade de acesso: ele é adquirido através de um receituário de controle especial, mas que pode ser prescrito por um grande número de profissionais.
Além disso, nos últimos anos, foi lançada uma apresentação sublingual, que diferentemente dos comprimidos tradicionais, tem um efeito mais rápido e, com isso, um maior poder de gerar dependência.
A pandemia do coronavírus é outro fator que ajuda a explicar o fenômeno. Dados da indústria farmacêutica, obtidos pela CBN, mostram um aumento de 30% nas vendas desses medicamentos entre setembro de 2019, antes da pandemia, e setembro deste ano. A estudante de psicologia Gabrielle Galvino sofria de ansiedade e o quadro se agravou durante a pandemia. Um dos sintomas era justamente a insônia. O médico prescreveu o zolpidem, mas ela precisou parar por causa de um grave efeito colateral que teve: o sonambulismo.
“Ele funcionava maravilhosamente bem, eu dormia que nem um anjinho, só que depois de um tempo eu comecei a perceber que eu ficava acordada e o remédio não me fazia mais o mesmo efeito. Então a dose já estava pequena, porque o meu corpo se acostumou com o remédio. Tinha dias que eram 4 horas da manhã e eu tinha aberto uma live no YouTube para falar com ninguém, sabe? Eu comprava muita coisa online de madrugada no dia seguinte eu acordava, eu não lembrava as compras iam chegando eu ficava ‘nossa, quando que eu comprei isso?’ E era em um desses episódios de insônia forte junto com remédio.
Outros efeitos colaterais, principalmente no uso incorreto, são distúrbio motor, sonolência e dificuldade de concentração. A médica neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono, explica que o uso do remédio jamais deve ultrapassar o tempo descrito na bula, que é de quatro semanas. Durante o período de uso, a pessoa deve fazer terapia e introduzir uma rotina que ajude ela a adormecer:
Uso de remédios para dormir
“A insônia é um distúrbio crônico. Você tem essa prescrição de três quatro semanas e depois quando a pessoa tira ela volta a ter insônia porque nada foi feito. Nesse cenário, a pessoa não teve acesso a um tratamento cognitivo comportamental, um tratamento não farmacológico ou não foi trocado por um outro medicamento de longo prazo. E aí ela acaba perpetuando o uso porque ela mantém a insônia.”
Uma nova classe de medicamentos para dormir, chamada Dora, deve chegar ao Brasil no próximo ano.
Esses remédios já estão disponíveis para uso nos Estados Unidos e na Europa. Os pesquisadores acreditam que o mecanismo de ação desta substância, chamada Lemborexant, gere menos dependência e efeito colaterais. Mesmo com essas promessas, o recado dos especialistas é simples e direto: não se deve medicalizar situações que poderiam ser conduzidas de outras maneiras.