2019-06-19 12:30:08
Pesquisa conduzida pelo ‘Wellcome Global Monitor’ em 140 países mostrou ainda que 80% dos entrevistados no Brasil acreditam que a vacinação é segura, índice próximo da média global.
Uma pesquisa conduzida pela “Wellcome Global Monitor” em 140 países e divulgada nesta quarta-feira (19) mostra que os brasileiros, apesar do aumento da desconfiança em relação às vacinas em algumas regiões do mundo, acreditam na importância da imunização, pelo menos na infância.
Entre as mil pessoas entrevistadas no país, 97% afirmaram “concordar fortemente” ou “concordar” com a importância de que as crianças sejam vacinadas. A proporção é maior que a média global (92%) e que os índices observados em vizinhos como o Chile (89%), Uruguai (94%) e Peru (95%).
Um percentual bem inferior, de 80%, declarou acreditar que as vacinas como um todo são seguras – proporção ainda superior, entretanto, à média global, que atingiu 79%.
Entre as regiões com menores percentuais estão a Europa – especialmente o leste, onde apenas metade dos respondentes afirmou confiar na segurança das vacinas – e o leste da Ásia.
No Japão, a taxa daqueles que disseram considerar as vacinas seguras foi de apenas 34% – neste ano, o país vive o pior surto de sarampo da última década.
No total, foram ouvidas 140 mil pessoas em todas as regiões do globo. Além de imunização, também foram temas de perguntas o nível de conhecimento e de confiança dos entrevistados em relação à Ciência e aos cientistas e o interesse nesses temas. Essa é a primeira pesquisa global que investiga esses assuntos.
No caso do Brasil, os participantes foram ouvidos entre 19 de julho e 22 de agosto do ano passado. A margem de erro da pesquisa é de 3,6 pontos percentuais.
Questionados sobre suas impressões a respeito da eficácia das vacinas, 81% dos brasileiros afirmaram “concordar fortemente” ou “concordar” com a afirmação de que elas funcionariam, um percentual inferior ao da média global, 84%.
A proporção é menor que a de países como Colômbia (82%), Argentina (89%), México (91%) e Venezuela (94%), mas está à frente da registrada no Peru (70%) e no Uruguai (75%).
Apesar das evidências científicas de que as vacinas ainda são um meio seguro e efetivo para prevenção de uma série de doenças, há grupos em diversos países que questionam a segurança dos programas de imunização e decidem não vacinar os filhos.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) colocou a chamada “hesitação vacinal” entre as dez maiores ameaças à saúde global.
As vacinas protegem bilhões de pessoas. Graças a elas, a varíola hoje é considerada erradicada e a poliomielite está próxima desse patamar.
Outras doenças difíceis de serem combatidas e muito contagiosas, entretanto, estão ressurgindo. Entre as razões, dizem especialistas, está o fato de que um grande número de pessoas tem preferido não se vacinar por medo ou desinformação.
Ann Lindstrand, especialista em imunização da OMS, afirmou que a situação atual é extremamente preocupante. “A hesitação vacinal tem o potencial, pelo menos em algumas regiões, de colocar em risco o progresso que o mundo conseguiu fazer nas últimas décadas em relação a doenças evitáveis.”
“Qualquer ressurgimento dessas doenças são passos inaceitáveis que damos para trás.”
A volta do sarampo
Países que estavam perto de eliminar o sarampo, por exemplo, agora têm assistido a episódios de surto da doença.
Dados da OMS mostram um aumento no número de casos em praticamente todas as regiões do globo – no total, um salto de 30% entre 2016 e 2017.
No ano passado, a Unicef alertou para o fato de que 98 países registraram mais casos da doença em 2018. Os 10 países com situação mais crítica foram responsáveis por 74% do aumento. O Brasil está nessa lista, com 10.262 casos, e uma redução em paralelo da cobertura vacinal, que regrediu de 96% em 2015 para 85,2% em 2017.
Na ocasião, a chefe da área de Saúde e HIV da Unicef no Brasil, Cristina Albuquerque, afirmou que o cenário é resultado de uma conjunção de fatores e que a organização tem “hipóteses” sobre as causas, mas que precisava de evidências mais concretas para falar sobre elas.
O nível de imunização é um indicador importante porque, se a cobertura vacinal é alta o suficiente, a doença não consegue circular e menos pessoas são infectadas – o que os especialistas chamam de “efeito rebanho”.
Para doenças como o sarampo, por exemplo, bastante contagiosas, o percentual ideal é de 95%. Para a poliomielite, pouco mais de 80%.
“Estamos preocupados neste momento por causa do sarampo. Qualquer percentual de cobertura inferior a 95% pode levar a surtos – e é isso o que estamos vendo”, diz Imran Khan, do “Wellcome Trust”.
Desconfiança
Moradores de regiões com renda média elevada estão entre aqueles, de acordo com os dados da pesquisa, que menos confiam na segurança das vacinas.
Na França, um em cada três discorda que elas seriam seguras. Esse é o percentual mais alto registrado entre os 140 países avaliados na pesquisa.
Os franceses estão também entre os que mais discordaram que as vacinas seriam efetivas (19%) e que a imunização seria importante para as crianças (10%).
Não por acaso, o governo francês acrescentou recentemente outras oito vacinas às três que já eram obrigatórias na infância.
Também em resposta à queda na taxa de imunização, a Itália recentemente aprovou uma lei que permite que as escolas barrem crianças não vacinadas ou multem os pais. Na pesquisa do “Wellcome Global Monitor”, 93% dos italianos disseram ter vacinado os filhos, percentual semelhante ao da Bolívia (93%) e inferior ao do Brasil (96%).
O Reino Unido ainda não tomou medidas concretas contra os “antivacina”, mas o Secretário de Saúde, Matt Hancock, disse recentemente que “não descarta” a ideia da vacinação compulsória, se for necessário.
No continente, a maior descrença foi verificada entre os países do leste. Na Ucrânia, apenas metade dos entrevistados declarou acreditar que as vacinas são seguras – o país registrou o maior número de casos de sarampo na Europa no ano passado, 53.218. Lá, 50% declararam achar que as vacinas funcionam, percentual semelhante ao dos vizinhos Belarus (46%) e Moldávia (49%).
Os Estados Unidos também têm registrado surtos de sarampo – o maior registrado em décadas no país, com 980 casos confirmados em 26 Estados apenas em 2019.
Histórias de sucesso
Um percentual elevado das populações de países de renda média baixa concorda que as vacinas são seguras. O maior patamar foi observado no sul da Ásia, onde 95% dos entrevistados concordaram com a afirmação, seguido do leste da África, com 92%.
Os percentuais são ainda mais altos em Bangladesh (98%) e Ruanda (94%), onde as taxas de imunização atingiram níveis bastante elevados apesar das dificuldades práticas para se vacinar a população.
Ruanda se tornou o primeiro país de renda baixa a fornecer acesso universal à vacina do HPV, que protege contra o câncer cervical, às jovens.
“Isso mostra o que se pode alcançar com um esforço concentrado para elevar a cobertura vacinal”, pontua Khan.
O que gera desconfiança?
Na pesquisa, aqueles que apresentavam maior confiança em cientistas, médicos e enfermeiras tenderam a concordar com as afirmações sobre segurança e efetividade das vacinas. Por outro lado, aqueles que buscaram recentemente informações sobre ciência, medicina ou saúde tiveram uma tendência menor a concordar com as afirmações.
O relatório do “Wellcome Monitor” não explora todas as razões por trás dos casos de baixa confiança nas vacinas, mas pesquisadores ressaltam que elas são explicadas por uma conjunção de fatores que vai além da hesitação vacinal.
Um deles pode ser complacência – se uma doença acaba ficando menos recorrente, a necessidade de vacinar pode parecer menos premente quando se pesam os benefícios e possíveis riscos.
Todos os medicamentos podem apresentar efeitos colaterais, incluindo as vacinas. Elas são, entretanto, minuciosamente testadas para verificar sua segurança e eficácia.
A velocidade rápida da internet acaba compartilhando crenças e preocupações acerca da imunização que não estão necessariamente baseadas em fatos concretos.
No Japão, por exemplo, especialistas acreditam que a redução da confiança nos programas de imunização como um todo pode ter relação com uma suposta ligação entre a vacina contra o HPV e problemas neurológicos, um tema que foi largamente discutido entre a população.
Na França, por sua vez, há uma controvérsia em relação à vacina contra influenza – acusações de que o governo comprou grande quantidade de doses, fabricadas de última hora e não necessariamente da forma mais zelosa.
No Reino Unido, a vacina tríplice viral e sua suposta ligação com o autismo ainda causa polêmica, mesmo depois de esclarecido pela comunidade médica de que a ligação não tinha fundamento.
“Um das intervenções mais importantes para contrapor os questionamentos e preocupações sobre as vacinas é aquela feita por profissionais da saúde bem treinados e capazes de explicar a eficiência das vacinas com base em evidências científicas”, afirma Lindstrand, especialista em imunização da OMS.