2019-06-27 13:00:08
Pesquisadores construíram modelo 3D da estrutura do Ixolaris, que oferece inúmeras possibilidades para o desenho de fármacos.
Pense num carrapato e as palavras que surgirão na sua cabeça provavelmente serão dor, incômodo, inflamação, praga! Mas não para pesquisadores, que veem no indesejável inseto uma chance para a ciência fazer mais um gol de placa. É o que explica a farmacêutica Ana Paula Valente, professora do Instituto de Bioquímica Médica, ligado ao Cenabio (Centro Nacional de Biologia Estrutural e Biomagem), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro): “carrapatos são insetos hematófagos, que se alimentam de sangue, e têm o que se poderia chamar de ‘estratégia’ para evitar que o líquido que estão retirando se mantenha fluido, ou seja, não coagule. O animal injeta uma substância anticoagulante e é essa proteína, presente na saliva do carrapato, que desperta tanto interesse de pesquisadores”.
Conseguir anticoagulantes eficazes é um dos sonhos da ciência. Nosso organismo é tão eficiente que, quando nos ferimos, o sangue se coagula na borda do corte – do contrário sangraríamos sem parar. No entanto, dentro do corpo, isso não acontece, a não ser em situações onde esse equilíbrio é rompido: por exemplo, pacientes com câncer têm um risco aumentado de desenvolver trombos, os chamados coágulos, que podem entupir vasos importantes e levar à morte.
Apesar de muitos pesquisadores já terem se debruçado sobre o assunto, é a primeira vez que um grupo descreve, do ponto de vista molecular, a estrutura do Ixolaris, a proteína encontrada na saliva do carrapato, e como ela age com uma enzima nesse processo. O estudo inédito foi publicado na “Blood”, periódico da American Society of Hematology. Foi conduzido por Ana Paula Valente, Viviane de Paula, Robson Monteiro e Fabio Almeida, da UFRJ, em colaboração com Nikolaos Sgourakis, da University of California Santa Cruz, e Ivo Francischetti, do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), nos Estados Unidos.
Através da ressonância magnética nuclear, eles conseguiram construir um modelo 3D da estrutura da proteína, que oferece inúmeras possibilidades para o desenho de fármacos que poderão ser usados para atenuar a coagulação e a inflamação associadas à trombose. “Conseguimos desenhar a molécula e analisar sua estrutura e interação com o fator X, que envolve a coagulação. Ao criar esse protótipo, poderemos no futuro fabricar uma molécula que atenda às necessidades dos pacientes”, diz a doutora Ana Paula. Em ciência, cada pequeno passo representa uma grande conquista. Ela estima mais cinco anos de pesquisas para, talvez daqui a dez anos, chegar a um medicamento. “Precisamos de mais gente trabalhando e de financiamento para garantir que a equipe não se disperse”, afirma. O estudo foi financiado pela Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).