A crise no varejo farmacêutico, que vem atingindo importantes redes como a Poupafarma, chega também à Bifarma.
A empresa, que já figurou entre as 20 líderes de faturamento no setor, viu sua receita despencar 66% em um ano e atualmente convive com um processo de recuperação judicial.
De origem paulista, a rede iniciou operações em 1986 e chegou à marca de 250 lojas em 2021, com presença em 50 municípios de São Paulo e Minas Gerais. Hoje, sua abrangência se resume a 30 pontos de venda, sendo apenas um em Itajubá (MG) e 29 na capital paulista e Região Metropolitana.
Há dois anos a Bifarma apresentava faturamento de R$ 492 milhões, valor que a credenciava como o 19º maior player do varejo farmacêutico nacional. Mas esse montante apurado correspondia apenas aos balanços de janeiro a setembro de 2021, o que já indicava tempestades pela frente.
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Em 2022, a receita bruta despencou para R$ 165 milhões. Os dados constam do laudo de viabilidade econômico-financeira que balizou o pedido de recuperação judicial, oficializado em agosto do ano passado junto à 2ª Vara de Caieiras do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
A rede atribui a crise às turbulências econômicas no comércio varejista. Houve redução de prazos de pagamento das mercadorias pelos fornecedores, o que diminuiu o fluxo de compras. A tentativa de obter crédito naufragou, com a Bifarma não honrando os pagamentos previstos.
O documento tem a assinatura da Siqueira Gestão Empresarial, consultoria com sede em Maracanaú (CE) e que sequer dispõe de um site oficial. O resultado do laudo parece uma crônica anunciada.
O juiz Daniel Nakao Maibashi indeferiu o pedido no fim de setembro, alegando inconsistência na divulgação dos indicadores. A Bifarma disponibilizou os balanços patrimoniais somente até 2020 e algumas das dez empresas registradas em nome do grupo tinham demonstrações de resultados incompletas.
O magistrado fixou prazo de 15 dias para a companhia rever as documentações, mas a rede não se posicionou desde então.
Crise no varejo farmacêutico
Crise no varejo inclui também denúncias trabalhistas
A crise no varejo e que envolve a Bifarma repete roteiros como a da Poupafarma ao respingar também nos cerca de 1.800 funcionários e colaboradores. Nos últimos dias, a redação do Panorama Farmacêutico teve acesso a inúmeras denúncias trabalhistas.
Entre as acusações está o pagamento de R$ 500 a menos em relação ao piso salarial dos práticos de farmácia. A falta de regularidade no fornecimento dos holerites também seria um procedimento padrão. E colaboradores demitidos revelaram que a homologação é feita às escondidas em outros sindicatos, como estratégia para não arcar com todos os direitos.
Mas o imbróglio é antigo. Desde 2018, entidades como o Sindfarmaor recebem essas denúncias e outras como o desconto das contribuições dos profissionais sem repasse para o sindicato. Além disso, queixas sobre não fornecimento de convênio médico e vale-refeição são comuns.
Para piorar o cenário, a Bifarma teria como rotina criar cargos inexistentes na convenção coletiva para permitir a redução pela metade dos salários de gerentes.
Da busca de franquias a envolvimento em sonegação
Em 2017, a Bifarma ostentava com orgulho a estruturação de uma divisão de franquias para acelerar seus planos de crescimento. Mas no mesmo ano o Ministério Público dava início à Operação Monte Cristo para monitorar uma organização criminosa que reunia mais de 100 farmácias reais ou de fachada, distribuidoras e até um fiscal da Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP).
A investigação teve uma segunda fase intensa em outubro de 2020, com 88 mandados de busca e apreensão em 32 municípios de Goiás, Minas Gerais e São Paulo. A polícia encontrou R$ 9,5 milhões em espécie na casa do ex-sócio da Bifarma, Marcos Della Coletta. Estima-se que a fraude tenha desviado mais de R$ 10 bilhões dos cofres públicos.
Os promotores relatam que o esquema driblava o pagamento do ICMS para obter alíquotas mais vantajosas em outros estados. Para não pagar mais em São Paulo, os suspeitos enviavam os medicamentos para Goiás. De lá, a mercadoria era levada de volta para São Paulo, onde distribuidoras fantasmas recolhiam o imposto. Quando o fisco chegava para cobrar, essas empresas já não existiam, não tinham patrimônio ou não se encontrava nenhum sócio.
Mas para que esse esquema funcionasse, uma das figuras importantes era David Mariano Fagundes, fiscal da Sefaz-SP que solicitou aposentadoria logo após ter conhecimento das investigações. Segundo a delação, ele propôs uma consultoria para as empresas do esquema, usando o escritório do sobrinho Michel Domingos, e teria ganho R$ 148 mil para acobertar a sonegação. Até sua irmã foi usada como laranja.
A redação tentou contato com a administração da rede, mas não teve sucesso até o fechamento dessa reportagem.
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