O chamado SANA atua diretamente nas células do tecido adiposo e não age no sistema nervoso central nem no sistema digestivo. Fase 2 do estudo clínico deve começar ainda este ano.
Um medicamento capaz de contribuir para a perda de peso sem afetar o apetite. Foi o que pesquisadores descobriram em um novo estudo publicado na revista científica “Nature Metabolism”.
➡️Chamado de SANA (da sigla em inglês, salicylate-based nitroalkene), o medicamento experimental é um derivado do salicilato – composto orgânico que tem propriedades analgésicas e anti-inflamatórias. É encontrado naturalmente em plantas e deu origem a medicamentos como a aspirina (ácido acetilsalicílico).
Diferentemente dos análogos ao GLP-1 (com a semaglutida, princípio ativo do Ozempic, por exemplo), o medicamento não atua no sistema nervoso central ou digestivo e, assim, seria o primeiro de uma nova classe de drogas antiobesidade. (entenda mais abaixo)
O estudo mostrou que o fármaco é capaz de estimular as células do tecido adiposo (que armazena gordura no corpo) a gastar energia para produzir calor. Esse processo tem como principal consequência a perda de peso.
A pesquisa foi coordenada por Carlos Escande, pesquisador do Institut Pasteur de Montevideo (Uruguai), e teve colaboração de pesquisadores brasileiros da Unicamp, USP e UFRJ. A contribuição brasileira teve apoio da Fapesp.
William Festuccia, professor e pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, explica que, no longo prazo, o peso corporal é determinado pelo balanço entre a ingestão calórica (quantidade de energia ingerida e absorvida no trato gastrointestinal) e o gasto calórico (energia gasta para manter o corpo funcionando).
E o SANA atua justamente no aumento do gasto de energia, sem alterar a ingestão calórica.
“Todos os medicamentos disponíveis para o tratamento da obesidade atuam inibindo a ingestão alimentar. Desta forma, o SANA surge como uma alternativa inédita de redução de peso corporal e adiposidade, por mecanismo que envolve aumento do gasto energético”, destaca Festuccia, que colaborou com o estudo.
👉Os testes feitos com animais mostram que a substância seria capaz de:
- Prevenir o acúmulo de gordura, mesmo em uma dieta rica em lipídeos;
- Tratar quadros já estabelecidos de obesidade;
- Combater disfunções metabólicas como a resistência à insulina.
Resultados da fase 1 do ensaio clínico também já indicaram que o composto é seguro e sugeriram efeitos positivos em humanos. Mas ainda são necessárias novas fases para testar a eficácia do medicamento no tratamento da obesidade.
Efeito comprovado em animais
Para estudar os potenciais efeitos do medicamento experimental foram usados dois modelos diferentes em animais.
No primeiro, o SANA foi fornecido a camundongos juntamente a uma dieta rica em gordura e preveniu totalmente o ganho de peso. Os animais do grupo-controle engordaram 40% e 50% em um período de oito semanas.
Já no segundo, o tratamento começou quando os animais já estavam obesos. Depois de oito semanas, observou-se uma perda de cerca de 20% de massa corporal, além da redução da glicemia, melhora da sensibilidade à insulina e diminuição da gordura acumulada no fígado.
Também foram feitos testes preliminares em humanos, em um grupo restrito de voluntários obesos. O ensaio clínico de fase 1 teve como objetivo avaliar se o composto é seguro e bem tolerado, mas também foi observada a perda de peso e melhora da glicemia.
SANA e as canetas contra obesidade
Enquanto as canetas contra a obesidade têm como princípio ativo substâncias análogas ao GLP-1, isto é, que simulam a ação desse hormônio no corpo, o SANA atua diretamente no gasto energético.
Assim, a primeira grande diferença entre os dois métodos é que o medicamento experimental não tem efeitos no sistema nervoso central e no sistema digestivo, além de não influenciar no apetite do paciente – como acontece com remédios como o Ozempic ou o Mounjaro, por exemplo.
Festuccia também compara as consequências dos medicamentos para o organismo.
“Os análogos de GLP-1 reduzem o peso corporal de forma importante principalmente pela inibição da ingestão alimentar, mas têm efeitos colaterais como a redução da massa magra e problemas gastrointestinais. O SANA reduziu o peso corporal, aumentando o gasto de energia, sem alterar a massa magra”, afirma.
O estudo revelou que o SANA, em altíssimas doses, trouxe efeitos colaterais como lesão tubular renal reversível.
O pesquisador ainda explica que não é possível dizer com precisão o quanto o medicamento pode proporcionar de perda de peso em humanos.
“O que pode ser dito é que, no estudo inicial em humanos para verificar a segurança, o SANA mostrou eficiência de redução de peso similar ao análogo de GLP-1, a semaglutida, no mesmo período”, revela.
Por atuarem de formas distintas no organismo, há a possibilidade do uso combinado do SANA e do GLP-1, algo que ainda precisa ser investigado em futuros estudos clínicos.
Próximos passos do estudo
Para comprovar a eficácia no tratamento da obesidade, bem como avaliar o potencial do medicamento na perda de peso, ainda são necessárias novas fases do estudo.
Carlos Escande, pesquisador do Institut Pasteur de Montevideo (Uruguai) e coordenador da pesquisa, afirmou à Agência Fapesp que o estudo de fase 2, com um grupo maior de voluntários, deve ser iniciado ainda este ano.