2021-12-09 11:30:59
Medicamentos antivirais reduzem as chances de hospitalização e de mortes em estudos
O objetivo final é o mesmo: preservar o organismo e impedir a evolução e o agravamento da doença. Para que isso aconteça, os medicamentos precisam ser utilizados ainda na fase inicial da infecção — de preferência, entre o primeiro e o quinto dia do aparecimento dos sintomas. Isso porque a ação dos antivirais está condicionada à presença de uma maior quantidade de vírus no organismo, ou seja, uma alta carga viral.
Os primeiros medicamentos contra o novo coronavírus, com eficácia cientificamente comprovada, foram desenvolvidos em 2021. Pesquisadores consultados pela CNN explicam como eles funcionam e como poderão transformar a pandemia de Covid-19.
“Estamos perto de um tratamento precoce para impedir que a Covid se agrave”, resumiu o médico Drauzio Varella, em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo.
“Desde o começo da pandemia, com um vírus novo, se busca uma medicação com ação antiviral. Ou seja, você prescreve a medicação para alguns grupos de pacientes e, especialmente em uma fase que o vírus circula no organismo, para que ele, consiga eliminar a replicação do vírus e, assim, diminuir todos aqueles gatilhos de inflamação e complicação no pulmão”, explica o médico Álvaro Furtado, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Os efeitos da Covid-19 no corpo podem ser divididos em duas fases. A primeira consiste na fase viral, que reúne sintomas comuns de outras viroses, como dor no corpo, dor de cabeça, coriza, mal estar e febre.
Conforme a doença avança, por volta do sétimo dia da infecção, tem início a fase inflamatória, na qual os antivirais já não têm o mesmo efeito.
Nesse momento, os médicos utilizam outros recursos como corticoides ou anticorpos monoclonais com o objetivo de controlar a inflamação e impedir a evolução para os quadros graves da doença.
A médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo, destaca que o uso dos antivirais irá reforçar a necessidade de testagem e diagnóstico precoce da Covid-19.
“Nós temos um antiviral, o molnupiravir, que consegue atrapalhar o vírus em sua replicação. Ele faz uma replicação embaralhada, que não consegue ser reconhecida e ir pra frente. Quanto mais precoce a administração, melhor. Se você deixa para os antivirais com a doença adiantada, no sexto ou sétimo dia, acaba tendo o risco de a cadeia inflamatória já ter sido iniciada”, explica Rosana.
“É a primeira medicação oral aprovada para impedir a progressão para as formas graves da Covid”, lembra Drauzio Varella sobre o molnupiravir no mesmo artigo da Folha.
Molnupiravir é testado no Brasil
O molnupiravir é um antiviral produzido pela farmacêutica MSD (Merck Sharp & Dohme), de administração por via oral, que atua impedindo a replicação do novo coronavírus ao introduzir erros no código genético do vírus.
“O material genético do vírus é composto por várias letras. Os medicamentos antivirais são análogos a essas letrinhas, só que vão dar uma bagunçada no ‘manual de instrução’ do vírus”, explica o microbiologista Luiz Almeida, do Instituto Questão de Ciência.
“No processo de replicação, o vírus tem que replicar o próprio genoma, produzir novas proteínas, empacotar novamente para produzir novas partículas virais. Nesse processo, se vier uma letrinha errada, dá uma bagunçada geral no vírus.”
O medicamento está em avaliação em estudos globais de fase três, com testes em diferentes países, incluindo o Brasil.
No país, os testes foram realizados em sete centros: três em São Paulo (dois na capital e um em São José do Rio Preto), Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Bento Gonçalves (RS).
O estudo denominado MOVe-OUT (MK-4482-002) avalia a utilização do molnupiravir como tratamento nos primeiros cinco dias de sintomas. A análise preliminar apontou que o medicamento reduziu em aproximadamente 50% o risco de hospitalização ou morte.
Ao todo, o ensaio contou com a participação de 762 voluntários que foram divididos em dois grupos: uma parte recebeu o medicamento em teste; a outra recebeu o placebo, uma substância sem qualquer efeito para o organismo.
De acordo com a MSD, 7,3% dos pacientes que receberam molnupiravir foram hospitalizados ou morreram (28 pacientes de 385), em comparação a 14,1% dos pacientes tratados com placebo (53 pessoas de 377).
A partir do sequenciamento genômico viral, os pesquisadores verificaram que o medicamento também demonstrou eficácia diante das variantes do novo coronavírus, incluindo a Gama, a Delta e a Mu.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que recebeu, no dia 26 de novembro, o pedido de uso emergencial do molnupiravir da MSD. Segundo a Anvisa, o prazo de avaliação é de até 30 dias.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou que o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) está em diálogo avançado com a MSD para definir parcerias para o desenvolvimento de estudos conjuntos.
Na quarta-feira (1º), consultores da FoodDrug Administration (FDA), órgão semelhante à Anvisa nos Estados Unidos, votaram a favor da recomendação do uso emergencial do molnupiravir contra a Covid-19 no país. Caso a autorização seja concedida, o medicamento será o primeiro tratamento antiviral oral no enfrentamento à doença nos Estados Unidos.
Medicamento da Pfizer
A farmacêutica Pfizer, que também conta com a vacina contra a Covid-19 amplamente aplicada no mundo, atua no desenvolvimento do antiviral Paxlovid.
O medicamento, chamado tecnicamente de ritonavir, utilizado no tratamento do HIV, faz parte da classe de inibidores de protease, que são substâncias capazes de inibir a ação de enzimas associadas à replicação viral.
Em novembro, a Pfizer informou que o medicamento oral reduziu os riscos de hospitalização e de morte em 89% em pacientes de alto risco para a Covid-19. O tratamento experimental considera a utilização de três comprimidos, administrados duas vezes ao dia, por três dias.
Nos testes clínicos, a Pfizer avaliou 1.219 pacientes diagnosticados com a Covid-19, com sintomas brandos a moderados, com pelo menos um fator de risco para a forma grave da doença, como obesidade e idade avançada.
De acordo com o comunicado da farmacêutica, nenhum voluntário havia morrido depois de 28 dias de tratamento.
“O grupo de pesquisadores independentes encarregado de acompanhar os dados suspendeu o estudo precocemente, porque os resultados entre os que receberam a droga foram tão superiores que seria antiético prosseguir com ele”, conta o dr. Drauzio.
O preço de contrato da MSD/Merck nos Estados Unidos para o molnupiravir é de US$ 700 (cerca de R$ 3.862) para um período de cinco dias de terapia. Já a Pfizer ainda não definiu o preço do tratamento, mas afirma que deve ser próximo do valor do rival molnupiravir.
Por que é difícil produzir um antiviral
Os vírus são estruturas microscópicas muito simples, com alta capacidade de mutação. As proteínas utilizadas por cada vírus na interação com o organismo humano durante o processo de infecção também são diferentes.
O SARS-CoV-2, nome técnico do coronavírus, conta com a proteína Spike como a chave de ligação do vírus para a entrada nas células. Já o vírus influenza, causador da gripe comum, tem como elemento de associação com as células as enzimas chamadas neuraminidase.
O perfil único de cada vírus faz com que um antiviral que funciona para a gripe, como o oseltamivir, não tenha nenhum efeito benéfico para o tratamento da infecção pelo novo coronavírus, por exemplo.
Além do investimento financeiro, um desafio para o desenvolvimento de novos medicamentos são as diferentes fases de testes pré-clínicos (em animais) e clínicos (com humanos), com o objetivo de avaliar a eficácia, segurança e dosagem adequada das substâncias utilizadas —o que leva tempo.
“Os antivirais têm de ser mais específicos para aquela doença e aquele vírus. Não é tão fácil quanto um antibiótico usado contra bactérias, por exemplo. Por isso, temos poucos antivirais no mercado”, explica Almeida.
O diferencial do Tamiflu
No dia 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de influenza devido ao impacto em grande escala causado por uma linhagem do vírus A (H1N1).
Os impactos da pandemia de gripe provocaram a morte de mais de 570 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, no periódico científico Lancet Infectious Diseases, em 2012.
Com o mesmo objetivo de prevenir infecções graves e mortes, cientistas trabalharam na atualização do antiviral oseltamivir, conhecido comercialmente como Tamiflu. De acordo com os especialistas, o medicamento contribuiu, de forma complementar às vacinas, para a redução no número de mortes na pandemia de 2009 no mundo, também conhecida como “gripe suína”.
O microbiologista Luiz Almeida explica que o Tamiflu tem como mecanismo de ação a inibição de uma enzima chamada neuroaminidase do vírus da gripe. A atividade dessa proteína é essencial para a entrada do vírus nas células humanas e para a liberação de partículas virais formadas a partir de células infectadas.
“O Tamiflu tem um mecanismo de impedir que o vírus entre nas células. Mas tem também uma limitação: não podemos dar uma dose cavalar desses remédios para as pessoas. Ele ajudou a controlar os casos de H1N1 que tivemos, mas não foi uma bala de prata, foi um auxílio a mais que tínhamos para combater o vírus da gripe naquela época”, diz Almeida.
O médico Valdez Madruga, infectologista, pesquisador do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP e um dos cientistas à frente do estudo da Pfizer, concorda que “o medicamento não substitui a vacina, mas é algo complementar”. “O medicamento, caso aprovado, formará uma proteção dupla para as pessoas vacinadas.”.
Baricitinibe e sotrovimabe: outros remédios, novos objetivos
Além dos antivirais, outros remédios já marcam sua importância no tratamento contra a Covid-19. Um deles é o baricitinibe, utilizado no Brasil para o tratamento de artrite reumatoide ativa moderada a grave e dermatite atópica moderada a grave.
Aprovado em setembro pela Anvisa para tratar pacientes internados com Covid, a administração do medicamento só é autorizada em pacientes adultos hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva.
Já o sotrovimabe — desenvolvido pela farmacêutica britânica GSK em parceira com a americana Vir Biotechnology — revelou ser uma promessa contra pelo menos 37 mutações identificadas na proteína Spike do vírus da Covid-19. O anúncio foi feito pelo próprio laboratório nesta terça (7) e pode contribuir na luta contra a variante Ômicron.
“Dados pré-clínicos demonstram potencial de nossos anticorpos monoclonais serem efetivos contra a última variante, a Ômicron”, explicou o chefe científico da GSK, Hal Barron.